sexta-feira, 27 de junho de 2014

Alinne: a paixão que virou ganha-pão

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Criada num ambiente doméstico onde se respirava o futebol vinte e quatro horas por dia —o avô e o tio jogaram como goleiros em times amadores e profissionais de São João da Boa Vista—, ela era, desde criança, habitué em canchas nos mais diversos gramados da cidade. Na TV, sempre assistindo aos jogos do Tricolor paulista, a paixão ludopédica nasceu ouvindo os comentários táticos e técnicos do patriarca vovô, Teté.

Aos 24 anos, Alinne Mariane Fanelli e Mastiguim, jornalista formada em 2010 pela UniFAE, já militou em diversos —jornais, rádio e TV— órgãos da imprensa sanjoanense.

Hoje, emprestando seu talento ao Grupo Folha, que edita o maior diário impresso do país, ela perdeu preciosos minutos do seu tempo para responder alguma inquirições deste arremedo de colunista.

Por que abraçar como profissão o jornalismo esportivo, uma área predominantemente masculina?

Apesar de amar o futebol e viver neste meio desde pequena, nunca pensei em trabalhar no jornalismo esportivo. Durante o ensino médio é que essa ideia se consolidou. Desde então, tudo o que fiz em relação aos trabalhos de faculdade foram relacionados ao futebol. Sempre ouço: “legal você querer trabalhar com esporte, uma área que está crescendo muito entre as mulheres”. Sim, é verdade, mas o espaço pra nós ainda é bem pequeno.

Quais são suas inspirações/referências profissionais na imprensa esportiva?

Minha grande referência é o narrador da Globo, Luís Roberto de Múcio, pela pessoa e pelo profissionalismo dele. Por ter trabalhado quatro anos na TV SerrAzul, acompanho muito a Renata Fan e gosto muito da postura e do carisma dela no vídeo. Aprendo muito com ela. Depois que comecei a trabalhar em São Paulo, conheci inúmeros jornalistas talentosos, admiráveis, mas que são pouco conhecidos na grande mídia.

Como surgiu a ideia de biografar o Luís Roberto de Múcio? Ele aceitou prontamente ou relutou?

Desde o meu ingresso na universidade, em 2007, eu já planejava o meu tema para o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso]. Inicialmente tentei escrever um livro sobre o Rogério Ceni, mas nas tratativas com a assessoria dele vi que seria um projeto difícil de vingar. No começo de 2009, pensei numa obra sobre o Luís Roberto de Múcio, pelas suas origens na imprensa esportiva de São João e por ser um narrador da maior emissora do país. Naquele ano, quando ele ministrou uma palestra na UniFAE, abordei-o relatando minha intenção e, de pronto, ele se mostrou feliz e honrado. Disse-me que ajudaria no que fosse necessário, mas que a distância —ele mora no Rio— poderia ser um dificultador. E, de fato, foi muito difícil escrever o livro sem contatos pessoais com o biografado. Mas, graças a Deus e muito suor, o resultado foi muito bom. Ele adorou o livro [Lances de Uma Vida, editora Scortecci]. Gostou tanto que me ajudou a registrar e incorporar a obra no acervo da Biblioteca Nacional.

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Existe o preconceito por ser mulher numa área dominada pelos homens?

Sim, existe. Não tanto entre os jornalistas. Quando você chega numa redação, mostra seu trabalho, se impõe, eles mostram respeito e o tratamento é profissional. Já quando o contato é com o público, leitores, o preconceito é grande. Críticas, xingamentos. Ainda por não ser tão conhecida, não fui vítima de uma discriminação mais explícita, mas tenho colegas de profissão que já ouviram coisas do tipo “teu lugar não é aqui, vai lavar louça”.

O Grupo Folha é um sonho de trabalho para muitos jornalistas. Como conseguiu ser contratada?

Consegui um contato com o editor do site da Folha no início de 2012 e disparava e-mails pra ele pra saber se tinha vaga. Depois de muita insistência, ele me ofereceu um trabalho temporário de quinze dias após os Jogos Olímpicos de Londres. Aceitei. Depois disso, me ofereceram uma oportunidade para trabalhar quinze dias por mês. Na ocasião, recusei por conta da minha pós-graduação. No final de 2012, veio outro convite. Aceitei novamente, alternando matérias para o site e para o jornal. Foi o período no qual comecei a cobrir os treinos dos times de SP. Ainda sem contrato de trabalho, era a freelancer que cobria as faltas de setoristas dos clubes paulistanos. Finalmente, no início deste ano, fui admitida pelo jornal Agora, do Grupo Folha, e, de acordo com as escalas, faço o trabalho em todos os Centros de Treinamentos das grandes agremiações de São Paulo.

Tem alguma coisa marcante pra contar desse seu início de carreira na grande imprensa?

Nunca escondi de ninguém o meu fanatismo pelo São Paulo Futebol Clube e minha idolatria pelo Rogério Ceni. Dia destes, andando pelo CT do Tricolor, cruzei com o Rogério e fui saudada com um gentil “bom dia”. Foi aquele momento mágico em que parei, respirei e pensei: “jamais poderia imaginar estar ao lado do Rogério, trabalhando, e receber dele um cumprimento cordial”. Por alguns momentos, mandei o profissionalismo às favas. Era eu, o Rogério Ceni e minha eterna paixão pelo SPFC.

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Copas, lembranças II

1994 – EUA

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Depois do fiasco do Mundial de 1990 e do jejum desde 1970, a pressão pela conquista era gigantesca. A escolha do treinador Carlos Alberto Parreira foi muito contestada pela torcida e por significativa parte da imprensa.

Estudioso aplicado de esquemas táticos, o técnico abdicou do futebol-arte para montar um time compactado e irritantemente obediente à sua doutrina. A preocupação excessiva em defender fazia a Seleção jogar um jogo feio, burocrático, antítese da cultura brasileira. Os gols saíam de lampejos da dupla Bebeto e Romário.

Na Califórnia, o jogo final contra os italianos retratou à perfeição o desempenho do Brasil naquela Copa: na História, foi o único 0 x 0 em decisões de Mundiais. Dunga, um personagem-símbolo daquela equipe, levantou a taça porque, nas penalidades terminais, Roberto Baggio chutou pra estratosfera. Dizem que a pelota foi achada, semanas depois, no Alasca.

Foi um time que não deixou saudades, mas, goste-se ou não de Parreira, ele foi coerente com seus princípios e suportou as potentes cornetas sem jamais incorrer em destemperos emocionais.

A maior feiura estava reservada para o retorno. Jogadores, comissão técnica e dirigentes abarrotaram o avião com 17 toneladas de eletrônicos e congêneres, sempre irresistíveis pra quem vai aos EUA. No desembarque, a delegação se recusou a permitir que a Receita Federal vistoriasse as bagagens. A CBF chantageou com ameaças de não levar a taça FIFA ao Planalto. Itamar Franco, presidente à época, capitulou e mandou liberar o contrabando.

Na minha memória, o voo da muamba é muito mais nítido que os gols do Romário.

 

1998 – França

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Mário Jorge Lobo Zagallo, ufanista até o último fio de cabelo, estava à frente do selecionado brasuca. Apesar de uma primeira fase vacilante, que findou com uma derrota ante a inexpressiva Noruega, os mata-matas foram jogos empolgantes, com destaques para a goleada sobre o Chile e a emocionante semifinal contra a Holanda, decidida nos penais. Taffarel defendeu duas cobranças dos laranjas.

A disputa pelo título foi com os donos da casa. Sem tradição na maior competição do futebol, os franceses foram menosprezados pelos tetracampeões. O pentacampeonato parecia inevitável.

Horas antes de entrar em campo, o ídolo Ronaldo sofreu uma convulsão, num episódio até hoje não esclarecido totalmente. Examinado e liberado por médicos de uma clínica parisiense, o atacante foi escalado.

Assustados com o ocorrido e divididos com a designação de Ronaldo entre os titulares, os brasileiros chegaram abalados ao Stade de France.

Os anfitriões gastaram a bola e o 3 x 0 acachapante escreveu nas estatísticas, em diferença de gols, o pior resultado da Seleção no livro das Copas.

Convulsão, corrupção, traição ou amarelão? Ainda pipocam por aí muitas conjecturas sobre o que aconteceu em 1998, de fato, com o principal goleador em Mundiais.

Pra este aparvalhado colunista isso é um debate secundário. A verdade é que os deuses do futebol são implacáveis com o salto alto e com quem despreza um gênio da magnitude de Zinedine Zidane.