quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sabor foice

Bela Gil

Vistosa, sorriso fácil e simpática, Bela Gil perpetra estranhices na cozinha. Soube do trabalho dela quando bombou nas redes uma receita inusitada, muito sem graça: melancia grelhada com azeite, sal e pimenta. A moça, com essa abominável heresia, maculou a santidade da grelha.

O blogueiro Iran Giusti quis conceder o benefício da dúvida à cozinheira filha de Gilberto. Ele comprou uma robusta melança, temperou e tascou no fogo, tal como prescrito no programa do GNT. Seu veredito não foi lá muito positivo: “churrasco de melancia tem gosto de morte”. O colunista acredita na sentença do Iran e vai se abster de provar a iguaria sabor foice.

Não provei, mas, sei lá a razão, fiquei tentado a dar uma espiada nos pratos dela. Que fique bem claro a distância que nos separa: ela na TV e eu no sofá. Ela na soja e eu na panceta.

Num dos programas, Bela ensina a fazer umas tais “marmitas nutritivas” em que o ingrediente principal é, valha-me Deus, acreditem!, painço. Que eu me lembre, painço é parente do alpiste, ração de cereais pra alimentar passarinho. Um troço seco, miúdo, quebradiço, nada atraente.

Imaginem um trabalhador braçal acostumado a repor seu vigor com calóricas e homéricas marmitas. Imaginem a justa ira desse homem ao descobrir que sua refeição será uma gororoba sabor painço. Ele poderia matar e invocar legítima defesa do seu estômago. Seria indigno provê-lo com esse mousse da infelicidade.

“Os colegas vão invejar sua marmita”, disse a menina vangloriando-se da sugestão saudável. Eu, honestamente, sentiria dó.

Noutra edição, Bela se aventura a fazer um hambúrguer nada ortodoxo. Esqueça a carne e chore sem pudor: hambúrguer de feijão-preto. Nem nos piores pesadelos eu poderia imaginar o sacro nome do hambúrguer ser invocado com tamanho desrespeito.

Elias Gleizer, o ator, bonachão e bom de garfo, foi um dos convidados do programa. Ao vê-lo, lembrei de uma história que mostra seu apreço pela boa mesa. Gravando novela no Rio, Gleizer sentiu falta da pizza paulistana. Não padeceu pela vontade e, sozinho, pegou a ponte-aérea pra devorar uma redonda no Bixiga e, feliz, voltar na mesma noite.

Glutão assumido, Elias Gleizer foi obrigado a ser cobaia de um experimento natureba batizado kitchari. Gentil, ele não deu mais que três pescadas na mistura de gengibre, cominho, lentilhas e outros bichos. Aquele homem que fala de comida com alma, que é um devoto das mamas napolitanas, ali estava, murcho e educado, tentando entender por que diabos alguém jura ser feliz comendo cúrcuma, agrião e couve-flor.