quinta-feira, 23 de junho de 2016

Edgar & Edson


“Vinde a mim as criancinhas, menos os netos da Dona Carminha”.

No finzinho dos anos 1970 algum gaiato fez esta troça com a passagem bíblica para acentuar a fama de traquinas dos irmãos sanjoanenses forjados nas vizinhanças da rua Benedito Araújo.

Reais ou lendas, diversas histórias deles sobrevivem sob os crepúsculos desta Sanja. Pessoalmente, os dois me contaram o trio de traquinagens que segue.

Uma
1977 ou 1978, por aí. Numa das primeiras edições da Semana Guiomar Novaes, com a presença da própria homenageada, Edson e Edgar acompanhavam a avó na plateia do Cine Ouro Branco, onde acontecia uma apresentação musical regida pelo famoso maestro Eleazar de Carvalho.

No intervalo do evento, os levados meninos cismaram de brincar de pega-pega perto do palco. Crônica de um debacle inevitável. O esbarrão num dos instrumentos provoca aquele efeito dominó que derruba e quebra violoncelos em série. Em dinheiro de hoje, um prejuízo de centenas de milhares de reais. Espectadores atônitos, artistas traumatizados e regente incrédulo.

Estarrecida na fila do gargarejo, a pianista consagrada indaga: “Quem são os capetinhas”? Envergonhada, Dona Carminha murmura para Guiomar Novaes: “Meus netinhos”.

Duas
Apaixonados pelo circo, os danados infantes davam um jeito de se embrenhar em todas as companhias que aportavam na cidade. Tanto fuçavam que, não raras vezes, arranjavam bicos com os donos do espetáculo.

Escalado para auxiliar o mágico, Edson tinha mais olhos para as beldades do camarim do que ouvidos para as instruções sobre suas tarefas.

Naquele quadro da caixa moscovita, em que uma mulher some enquanto lâminas afiadíssimas são transpassadas, Edson, distraído pelas curvas femininas, deixou de fazer o que precisava ser feito para o truque funcionar e a moça sair ilesa. Resultado: o show foi abruptamente interrompido quando os urros da louraça acusaram espetadas viris em suas generosas coxas.

Edson tomou um esporro homérico pelo cochilo e se vingou da bronca aprontando: libertou o elefante.

Três
Ainda o circo, de novo um quiproquó com ilusionistas.

Edgar, incumbido de preparar os badulaques da exibição, vacilou e entregou aos céus a pomba branca que deveria ser aninhada no fundo falso da cartola do feiticeiro. O anão, que também assessorava no picadeiro, percebeu a falha e disparou a fazer mímicas frenéticas alertando para evitar o vexame. Em vão! O mago de cartola vazia sorriu mais amarelo que o cabelo da trapezista russa e Edgar, blasé, foi dar bananas aos chimpanzés. Assoviando!

sexta-feira, 10 de junho de 2016

No rádio

O rádio é uma plataforma de comunicação que sempre me fascinou. Democrático, popular, requintado, musical, esportivo, noticioso, servidor da comunidade. Ondas que divertem, informam e prestam serviços.

Convidado pelos amigos Zé Chico Dogo Martyns e Du Pirajá, este cronista vai narrar alguns textos próprios em coluna semanal no Jornal da Manhã da #‎JovemPan de São João da Boa Vista.

Segue o áudio da primeira edição, que foi ao ar dia 10/06/2016, falando da cozinha heterodoxa, pra não dizer outra coisa, da Bela Gil. A coluna, editada e sonorizada pelo sanja-voice Antonio Luiz Magalhães, ainda não ficou boa, mais pelas minhas carências vocais do que pelo apuro técnico do grande Magalhães.

Tirem as crianças da sala:

quinta-feira, 9 de junho de 2016

Telê


Por influência paterna, sou tricolor desde sempre. Hoje ainda vibro muito nos jogos decisivos, mas me considero um sãopaulino café-com-leite. Perdi o fanatismo da juventude.    

E a semente do fanatismo foi plantada em 1977, na decisão do Brasileiro disputada contra o Atlético Mineiro. O São Paulo papou o Galo sob o céu de BH. O Mineirão silenciou.     

Eu tinha 7 anos e, óbvio, não lembro lhufas do jogo. Lembro-me, sim, de flashes da decisão nas penalidades e da vibração de Waldir Peres com o erro do cobrador mineiro que deu o título ao São Paulo.   

E os anos 80 começaram bem. O bi paulista 80/81 foi de arrasar mares e selvas: assamos o Peixe e detonamos a Macaca. Serginho Chulapa era artilheiro e encrenqueiro. Fazer gols e arrumar confusão sempre foi a sina do Chulapa.

Em 1985 minha primeira decisão in loco no Morumbi. Inesquecível estar no “Murumba” com 100 mil pagantes. A final do Paulista foi contra a Lusa. Silas, Muller, Careca e Pita —os “Menudos do Cilinho”— dançaram o vira e levaram a taça num memorável 2x1. 

No Brasileiro do ano seguinte, 1986, o Tricolor era minha vida. Minha e do Nandão Goiaba, meu irmão e amigo que, na época, morava em Campinas. Se o jogo era domingo e o palco fosse o Morumbi, estávamos lá, não importando o adversário. Vimos desde clássicos até confrontos furrecas, como, por exemplo, contra o América do Rio. Tem que ser muito fanático para subir no Expressinho, pegar metrô e ônibus urbano para ver o São Paulo jogar contra o América do Rio.

       E a final do Brasileiro de 1986 —que, diga-se, foi jogada no início de 87 por uma destas estultices da cartolagem tupiniquim— contra o Bugre no Brinco de Ouro?

Jogaço!!! Eu e Nandão, no ápice da loucura, no meio da Independente. O Guarani fazia 2x1 na prorrogação quando, num lampejo de homem-gol, Careca empata no último minuto e leva a decisão para os penais. E dos pênaltis saiu o nosso segundo caneco brasileiro. Absolutamente inesquecível!     

Ainda levamos dois Paulistas —87 e 89— antes de findar a década.

E chegamos na era Telê, a década de 90, a mais vitoriosa em toda a história do São Paulo. Telê Santana aterrissou no São Paulo trazendo consigo a injusta pecha de pé-frio. A seleção brasileira de 1982, maravilhosa, mas derrotada, ainda era, na época, o céu e o inferno na vida do treinador.  

No Tricolor dos anos 1990, Telê armou um escrete que extasiava os tricolores e aterrorizava os adversários. O time de Zetti e Raí jogava limpo —Telê abominava botinadas—, para frente, numa busca incessante pelo gol.      

O técnico era disciplinador, rígido, mas sem nunca perder a humildade e o senso de justiça. Bem diferente dos estrelismos e arrogâncias destes tristes tempos de dungas e luxemburgos. 

Sob a batuta de mestre Telê, as Américas e o mundo ficaram pequenos diante de tanta glória. E por duas vezes —92 e 93— o futebol do globo foi obrigado a reverenciar Telê e os meninos do Morumbi. 

Este ex-fanático sãopaulino é hoje um cronista apatetado que tem poucas certezas na vida. Uma delas: Telê não só foi o melhor treinador da história do São Paulo, ele foi o melhor técnico do futebol brasileiro desde que Cabral aportou por estas terras. Vou mais longe, sem medo do exagero: Telê foi o maior técnico do futebol mundial em todos os tempos.      

E volto à arquibancada com o grito de guerra que até hoje é cantado nos estádios: 

—Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê!!!      

Em tempo: No ano de 1993 o São Paulo conquistou a “SuperCopa” da Liberadores batendo o Mengão no Morumbi. Já era madrugada e uma dezena de crepusculares, no portão do “Murumba”, amaldiçoava os colegas retardatários que não chegavam e atrasavam o retorno a Sanja. Eis que o portão se abre e surge a lenda, trajando sua inconfundível polo vermelha, caminhando tranquilamente até o estacionamento do estádio. Frisson e emoção. Solícito, ele atende a todos os pedidos de autógrafo. Recordo-me daquela noite e choro por dois motivos: não beijei a testa do mestre e deixei que a máquina de lavar roupa apagasse a assinatura histórica na minha camisa.


       *Texto lavrado e blogado em 12 de abril de 2006.


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Bom di+ Bistrô, by Lu & Edu

Risoto de camarão
Eu de novo com São João e comida. Sanjoanenses e gastronomia da melhor qualidade no gelo quase suíço das montanhas mineiras. Queijos e temperaturas baixas ligam os Alpes helvéticos às Gerais brasucas.

No nosso périplo anual a Monte Verde, sempre em maio, fomos conhecer este ano a casa de repastos do Edu Luciano e da Lu Almeida: Bom di+ Bistrô. O casal macaúbico labuta há mais de sete anos no cume que eles escalaram para ganhar a vida. E vão indo bem...

         Luciane Lopes de Almeida conheceu Monte Verde em 2004, convidada por uma amiga dona de pousada. Pelejando com massagem e acupuntura, Lu passou a subir a serra todo final de semana para atender os hóspedes da Villa D’Amore, uma das estalagens mais sofisticadas do distrito. Com tantas idas, se apaixonou pelo charme das alturas.

Vontade de se bandear definitivamente para lá ela tinha. Muita. A briga para mudar seria com o marido —José Eduardo Luciano—, inimigo do frio e das estradas ruins. Chegar a Monte Verde já foi um lance épico, tal era a buraqueira na via serrana.

Músico talentoso e diletante, Edu tem também o DNA dos bons cozinheiros. Convencido pela mulher, o seu projeto teria o fogão como companheiro de jornada.

E assim foi. Arriscando, inventando, aprendendo, caindo e levantando. O batismo foi um delivery em que as quentinhas saíam do próprio lar do casal. A coisa cresceu e no novo ponto veio uma rotisseria. A aceitação do tempero pelos clientes, a gana de prosperar e a afinidade cada vez maior do Edu com as panelas fizeram nascer o restaurante. Primeiro se estabeleceram deslocados do bochicho. Hoje, depois de muito esperar, servem filé no filé do lugarejo: a Avenida.

Na muvuca turística do centrinho, eles ofertam, num recanto aconchegante, um cardápio eclético concebido pelo chef Luciano. Caldos, trutas, risotos, carnes, massas, fondue... Agrada israelenses, hindus, orientais, texanos e árabes. Agrada sobretudo os gordos e hedonistas de qualquer etnia.

Faço meus vivas aos conterrâneos com o paladar harmonioso de um inusitado e arrebatador risoto mineiro, criado pelo chef para o Festival Gastronômico de Monte Verde. Numa incrível cestinha de parmesão gratinado: arroz, paio e couve. Na escolta, fodaço!, queijo de coalho.

É Minas, gente, tem queijo sob, sobre e ladeando.

11º, tem frio e névoa lá fora. Tem nordestinos muitos na equipe do restaurante. Tem o Edu e a Lu cozinhando bem além dos Crepúsculos. Tem essa gente exilada que orgulhosamente ostenta seu valor!

Eu entre a Lu e o Edu