Steve é um produtor de maçãs. Mais: Steve produz várias qualidades de maçãs. Mais ainda: Steve produz maçãs e tem quitandas próprias que vendem suas maçãs no mundo inteiro. Steve refuta o termo quitanda; ele prefere Loja da Maçã.
Obcecado pela excelência, Steve investe pesado em pesquisas. Não passa ano sem que ele surpreenda o mercado. Ora cria novas espécies de maçãs, ora aprimora os atributos das já criadas.
Steve gosta de filosofar: “As pessoas não sabem quais maçãs querem, até que mostremos tipos diferentes a elas”. Steve entende de maçãs, mas Steve entende muito mais de gente.
A empresa de Steve fica longe daqui, num outro país. Nosso reino até produz algumas maçãs de Steve, mas as sementes vêm da terra dele.
No portfólio macieiro de Steve, as campeãs de vendas são a mAçã C e a mAçã S. Ele pouco explica a nomenclatura das suas frutas. Deduzo que o C é de comum e o S é de super. Minha dedução vale nada perto das convicções de Steve.
As mAçãs C e S têm sabor e tamanho muito parecidos. A modelo S, pela aparência mais robusta e polpa mais sumarenta, custa mais que a C. A diferença de preço nem é tanta, mas Steve encasquetou que os reinos menos afortunados iriam cair de amores pela mAçã C. Steve é um gênio, mas até os gênios se enganam. Os miseráveis rejeitaram a mAçã C de Steve.
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Orual, nativo do Reino das Bananas, é um pobretão inconformado. Sua birra tem a ver com o desapreço de Steve pelo seu torrão natal. As mAçãs novidadeiras só chegam à ilha de Bananal muitos meses após o lançamento na metrópole de Steve.
Os rompantes de impaciência de Orual beiram a insanidade. Mal tendo dinheiro pra comprar jiló na feira, ele voou para a Grande Maçã no intento inabalável de possuir a mAçã S.
O time de Steve é bem treinado para conter a turba de maltrapilhos ousados. O sotaque bananeiro entrega a origem e a Orual só é ofertada a mAçã C. Se os quitandeiros são bem amestrados, Orual é um jeca teimoso.
Na Grande Maçã, o caipira faz um périplo desesperado e passa por todas as lojas de Steve. Nada da S e tudo da C.
—Cê é o cacete! Eu quero a porra da esse!
O desabafo vigoroso sai no seu exótico dialeto aborígine. O brado ecoa até os ouvidos de um conterrâneo de Orual, infiltrado no exército de Steve, que se sensibiliza com o lamento.
O irmão-bugre acusa:
—A loja do Parque Central funciona vinte e quatro horas. Apareça lá zero hora que, na madrugada, chega uma carga extra de mAçãs S. No frio, antes do amanhecer, podemos vender a S aos descamisados dos trópicos.
Na sua distante hospedagem, Orual toma o trem das onze (Evoé!, Adoniran), viaja sessenta minutos no vagão vazio e, da Grande Estação, caminha mais sessenta minutos sob uma hostil temperatura polar para, glória!, finalmente receber a mAçã S dos branquelos assalariados de Steve.
Com a mAçã cobiçada na mochila, Orual vagueia pela grande cidade na companhia de artistas, bêbados e putas. Ele tem que matar o tempo até às seis da manhã, horário do primeiro trem de retorno.
Por alguma razão, ali, insignificante entre os arranha-céus, mal agasalhado, faminto e molambento, Orual amaldiçoou aquele casal desobediente do Jardim do Éden.
Em tempo: se alguém ainda tem dúvidas dos tons autobiográficos, o signatário do texto confessa sua busca desavergonhada por um iPhone 5S, no outono de 2013. E, convenhamos, truquinho manjado esse de grafar o nome de trás pra frente.