segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Brasil em tempos de cólera


Um outro legado triste que a eleição de 2018 vai deixar para o país está no campo das relações humanas.

Vi vários, vários mesmo, grupos de amigos e familiares entrando em “guerra” por divergências políticas. Coisa que eu nunca tinha visto com tamanha virulência. Passou a eleição, veio a posse e a coisa não arrefeceu. Até piorou em alguns casos. Quando briga acalorada não houve, houve o distanciamento.

Bolsonaro com sua postura agressiva, seu discurso truculento e seu histórico de declarações preconceituosas, disseminou uma cultura de confronto jamais vista no Brasil. Nunca tinha testemunhado tantos mutuamente se hostilizando por causa de política.

Divergir é necessário e saudável, pontualmente. O ruim é divergir sempre pelo mesmo assunto. O ruim é pautar todo encontro, real ou virtual, com a divergência.

Radicais dos dois lados, mas hoje muito mais os coléricos simpatizantes de Bolsonaro —de novo, não generalizo—, estão minando o convívio amistoso entre pensantes diferentes. Um ambiente de rancores virou o nosso país. E isso é soturno por demais.

Se você tem afinidade com uma pessoa, mas diverge politicamente, e sabe que essa divergência não vai ser contornada facilmente, procure abordar nos encontros comuns e em timelines alheias assuntos que os unem. A música, a mesa, o copo, a zoeira futebolística, a piada, aquela viagem, a prosa descompromissada.

A leveza no trato não precisa e não deve significar abstenções de posicionamentos. É só uma lufada de urbanidade sob nuvens carregadas.

No Facebook tenho evitado polemizar em murais de outrem, mas em alguns grupos de WhatsApp e no Twitter, por vezes, não resisto e provoco, cutuco.
Sim, reconheço, isso vale para o autor destas linhas, também.

Sobre o autoexílio de Jean Wyllys


Tenho desde o BBB antipatia por Jean Wyllys. Detesto o programa e não consigo quebrar meu ranço pelos personagens que daquela casa saem para a fama.

A estridente militância política dele depois do sucesso na TV e a defesa insana de dogmas de uma ultraesquerda anacrônica contribuíram para o acento ainda mais agudo nos meus conceitos e preconceitos.

Nestes tempos coléricos, no entanto, Bolsonaros, papai e filhinhos, e bolsominions, essa turba ensandecida, têm colaborado para atenuar algumas de minhas humanas malquerenças.

Noite de sexta deliciosamente chuvosa, aliviado com os termômetros em queda —sou intolerante ao calor—, estarrecido com a tragédia em Brumadinho e lendo tudo sobre o anúncio do autoexílio do deputado Jean Wyllys, roubo um verbo do amigo Dulcidio e tento “racionalizar” no meio da paixão da polêmica.

O congressista —até onde eu saiba é, depois do Clodovil, o primeiro político declaradamente gay na Câmara— se notabilizou na tribuna pela defesa da causa LGBT. Essa militância aguerrida e uma desnecessária e indecorosa cusparada num boçal angariaram inimigos e perseguições.

Na eleição de 2018, Jean Wyllys foi uma das maiores vítimas das fake news perpetradas pelo exército whattsappiano do 17. Na ânsia de imputar projetos de surubas e perversões aos opositores, os bolsominions massacraram Jean Wyllys nas mídias.

Tá no YouTube, tá nos arquivos jornalísticos, gravado, filmado, escrito: papai e filhinhos são hostis aos homossexuais. “Prefiro um filho bandido a um filho gay”. Infelizmente essa frase de Bolsonaro não é fake. Como também são verdadeiras as ameaças reiteradas de expulsão que ele fez a adversários durante a campanha.

É nítido ainda que um número significativo —não generalizo— de eleitores do atual presidente também é homofóbico. O resultado das urnas encorajou ódios públicos que quase só eram vistos no privado. E os ódios não são só retóricos. Agressões físicas covardes pululam por aí.

Companheiros de partido de Wyllys, Marcelo Freixo e Marielle Franco foram alvos de planos assassinos de milicianos. Freixo foi poupado pela ação preventiva da polícia. A lésbica e vereadora, Marielle, todos sabem, não teve a mesma sorte.

Os culpados pelo homicídio de Marielle estão nas ruas. Investiga-se, repito, INVESTIGA-SE fortes indícios de ligação do clã presidencial com milicianos.

Há viés político na decisão do autoexílio?
Certeza que há. Isso é um gesto forte de oposição.

Mas não questiono a legitimidade do gesto nem o foro pessoal que o motivou. E também tenho convicção de que o medo e o ambiente de rancor no país colaboraram para que um controverso parlamentar democraticamente eleito abrisse mão de sua cadeira, e de não parcos vencimentos, para se proteger no estrangeiro.

A coisa extrapola a questão da empatia, das bandeiras políticas, de ser de esquerda ou de direita. É questão de respeito humano, de civilidade, de valores inegociáveis num Estado Democrático de Direito. Valores que sempre estarão distantes do bolsonarismo.


Fulano


Fulano parece não gostar de fotos, tampouco de viagens, não deve gostar de comer bem, não gosta de saber de novos lugares, não gosta de paisagens, banho de cachoeira não está no rol de seus prazeres. Fulano não curte muito histórias interessantes de gente interessante da sua aldeia. Fulano não gosta de publicações bem humoradas. Fulano gosta mesmo é de política, ou melhor, gosta mesmo é do seu político de estimação.

Fulano não te dá bom dia, ignora seu aniversário, nunca te desejou Boas Festas, não curte nem comenta seus posts. Ele mal conversa com você. Ele normalmente é contido e econômico com as palavras. Quer ver ele falar com você? Quer vê-lo onipresente e ativo em timelines alheias? Ou melhor: quer ver ele espernear pra você? Quer ver ele abrir a caixa do verbo desaforado e arriscar um texto? Manifeste um pensamento crítico em relação ao oráculo dele. “Porra, você é comunista, táokay.”

Mídia social é interação, mas o extremista só interage quando seu “deus” é criticado. Ele parece um soldadinho amestrado, um patrulheiro bolsominiom.

Pela inconveniência, pela cegueira, pela vigilância seletiva, pela agressividade, o bolsominiom é o novo petista.


Viva o novo Brasil!


O mandatário começa a governar hostilizando a imprensa. Cacoete da época da ditadura.
A conta da primeira-dama é destinatária de depósitos inusuais.
Um chanceler obscuro, pregador de ideias tacanhas, totalmente despreparado para articular a política externa brasileira.
O filho do vice teve o salário triplicado no Banco do Brasil.
Uma bizarra ministra de Direitos Humanos que diz asneiras diárias.
Um Chefe da Casa Civil boquirroto. Tão falastrão quanto enrolado com investigações.
A nomeação do coordenador do ENEM não se sustentou por 24h.
Um povo que não sabe jogar lixo no lixo, agora vai poder ter armas em casa.
O filhinho movimenta dinheiro de forma suspeita, está envolvido com um motorista suspeito e usa o foro privilegiado —do qual ele era um crítico feroz— de forma suspeita para tentar manter a sujeira sob o tapete.
A campanha ficou pra trás, mas ninguém quer governar. O importante é manter a militância motivada contra o comunismo, contra os esquerdopatas. O importante é responder sempre: “mas é melhor que a roubalheira do PT”, “muito mimimi”. E dá-lhe bravatas e fake news.
E daí?! O que vale é assinar com caneta Bic, táokay!
Agora vai!

[sim, claro, eu tinha convicção do amadorismo, da absoluta falta de preparo, tinha suspeição sobre os malfeitos, mas jamais imaginei tanta merda em tão pouco tempo]

domingo, 6 de janeiro de 2019

Suores



Sexta-feira, fim de tarde, eu na porta da firma sem carro e sem carona carecendo subir para os altos mantiqueiros da província. Renuncio à ideia de caminhar porque estava em cima da hora do meu compromisso no barbeiro.

O mototáxi para na minha frente. Um sujeito corpulento desembarca e deixa no capacete o suor da sua calva. Pergunto ao condutor sobre a corrida ao meu destino e sobre a possibilidade d’eu não usar o capacete suado. A negativa óbvia não freou minha vontade de passar o fim de semana barbeado.

Minhas nada modestas arrobas deram trabalho aos amortecedores da pequena motocicleta. Nas arrancadas, sentia que a qualquer momento minhas costas se esborrachariam no asfalto enquanto os carros eram ultrapassados pelos vãos mais perigosos e improváveis.

Agarrado forte naquele putaquepariu da garupa, não distingui o que mais me incomodou: a posição desconfortável, a porralouquice do mototaxista no trânsito ou o suor de um filho do povo naquele capacete puído.

Eu também suei, muito!
Nas próximas cinco décadas não pretendo repetir a experiência.

O cavalo cortado



Monument Valley, Utah, clássico cenário do faroeste norte-americano. 

John Wayne e outros moviestars do gênero já cavalgaram muito por esse espetacular parque de geografia única.

Sem dúvida, um dos lugares mais impressionantes que já conheci.

Tarde de 5 de novembro de 2015, céu lindo, luz perfeita, um friozinho agradável na companhia de um casal amigo. 

Josi, que sugeriu o passeio, levou todos os paranauês característicos para ser retratada no clima western das grandes produções de Hollywood. 

Um indígena nos alugou o cavalo por 10 doletas. Mil poses e cliques. Fotografei-a com todos os backgrounds possíveis. 

Terminado o ensaio, devolvido o animal, lá foi a cowgirl checar as imagens na câmera.

Não menos do que 5 segundos depois, ela sacou a arma e me ameaçou com sangue no olhar:

—Lauro, cadê o cavalo?
—Como assim? Tá aí o cavalo. 
—Você cortou o cavalo. Eu queria mostrar o cavalo inteiro. Você cortou o cavalo, você cortou o cavalo... ai que ódio! Você cortou o cavalo!