sexta-feira, 25 de julho de 2014

Samba X Tango

bra x arg

Das margens do rio Paraná para as águas do Jaguari. Alberto Enrique Umhof, argentino da cidade de Zárate, na província de Buenos Aires, escolheu o Brasil para ganhar a vida e criar seus filhos. Há algumas décadas no país, rodou um bocado pelo solo brasuca até ser seduzido pelos encantos deste torrão ao pé da Mantiqueira. No punhado de anos empreendendo em São João da Boa Vista, ganhou o reconhecimento da comunidade e desde 2010, “batizado” na Câmara Municipal, é cidadão sanjoanense.

Torcedor do Boca, o amigo aceitou o convite do blogueiro para um bate-bola abordando a rivalidade futebolística entre Brasil e Argentina, muito comentada e nos limites da fervura na última Copa do Mundo.

1- Por que essa reciprocidade turística e admiração mútua não se estende ao futebol, onde a rivalidade em alguns momentos beira a agressão verbal?

Não existe —ou não existia— do lado de lá animosidade pós-jogo e seria impensável torcer contra o Brasil na maioria das circunstâncias para qualquer argentino, admiradores que são do "país da alegria"; a coisa passa rapidamente —ou passava—, não sei mais. Os argentinos descobriram agora, horrorizados, esse ódio feroz do torcedor brasileiro, parte do ser brasileiro que passa despercebido, o "homem cordial" descrito pelo professor Sérgio Buarque de Holanda se esconde fundo quando de futebol se trata.

Resta agora, depois desta descoberta, aguardar a reação do lado de lá, mas me parece que existirá a partir desta Copa a recíproca platina. Veremos como fica daqui em diante a relação com os turistas. Nunca houve dúvidas na Argentina sobre quem é o melhor quando de futebol-arte se trata, e isso faz com que a vitória contra os brasileiros seja sempre uma alegria extra, e perder é considerado normal, afinal o Brasil é pentacampeão.

Encontro na diferença idiomática, quando o amigo cita uma suposta “agressão verbal”, a causa da confusão. Afinal, o português tem inúmeros fonemas a mais que o espanhol, e desde que Rui Barbosa voltou de Buenos Aires com a expressão "nos chamam de macaquitos" e a internet popularizou depois do caso Grafite [num jogo da Copa Libertadores em 2005, o argentino Desábato, do Quilmes, saiu preso do Morumbi depois de ter chamado o sãopaulino Grafite de macaco]. Vivi na Argentina até quase meus trinta anos e posso garantir que a palavra macaco jamais foi usada para depreciar os brasileiros.

2- Via mídia, Pelé e Maradona vivem trocando “gentilezas”. Você acha que a linha editorial dos jornais Olé e Lance brotou desta rivalidade entre os ídolos maiores dos dois países?

Não. Acho que a responsabilidade é inversa. Pelé e Maradona são marcas, produtos de marqueteiros a serviço da FIFA, e que, de alguma forma, escaparam do controle, seguramente mais Maradona que Pelé. Os dois tem bandos de seguidores que compram jornais, essa é a causa real das diferenças, vender jornais, dar audiência a programas de TV, criar factoides em geral. E os dois ganham rios de dinheiro com isso. 

3- Neymar e Messi aparentemente são amigos, e já declararam torcer um pelo outro quando o confronto não envolver Brasil e Argentina. Esta postura menos bélica dos dois tende a atenuar a rivalidade ou pelo menos diminuir os exageros dos dois lados?

É um começo, depende de outros atores também. O indicador será a próxima Libertadores, inclusive hoje teremos uma amostra [essa resposta foi enviada na quarta-feira, 23/7, quando o Atlético Mineiro conquistou e Recopa Sul-Americana sobre o argentino Lanús, no Mineirão]. Galvão Bueno se aposentando ajudaria mais que a amizade destes dois guris [o locutor global é notório por botar lenha na rivalidade, repetindo à exaustão a célebre frase: “Ganhar é bom, ganhar da Argentina é muito melhor].

4- Como argentino radicado no Brasil há muitos anos, você em algum momento ou circunstância consegue torcer pela seleção brasileira?

Sempre que o rival não seja a Argentina, torço de coração pelo Brasil. Meus filhos são brasileiros.

5- Decime que se siente (diga-me o que sente) sobre o 7x1, o maior vexame na história do futebol brasileiro?

Sinto que está na hora de mudar conceitos no futebol brasileiro, principalmente na CBF e na TV Globo. O estado atual das coisas não está dando troféus e sim vergonha. Acho que foram sete porque Alemanha não quis machucar mais, até chego a imaginar alguma pressão no intervalo do jogo para isso acontecer. Foi mais doloroso o 0 x 3 contra a Holanda, porque confirmou a fragilidade de toda a estrutura. A recuperação será lenta e nada será como antes. Lamento muito o Barbosa [morto em 2000] não ter visto os dois últimos jogos do Brasil na Copa 2014. Teria sido libertador para o goleiro mais odiado do planeta.

Nota do blogueiro: o saudoso jornalista Armando Nogueira falando sobre Barbosa: “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera”.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

João Ubaldo Ribeiro

joao ubaldo

Quem não estiver apto a disputar o pentatlo nos Jogos Olímpicos não deve viajar do Rio de Janeiro a Berlim no que as companhias aéreas chamam de "classe econômica", embora saibam que se trata de um eufemismo para "vagão de búfalos" ­—exceção feita à comida, já que a dos búfalos é certamente melhor.

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Bem sei eu da imagem do Brasil. Falar em Brasil é evocar índios, a Amazônia e ditadores militares cobertos de medalhas do tamanho de panquecas, gritando ordens a pelotões de fuzilamento em espanhol de acentos bárbaros, nos intervalos de telefonemas nervosos para bancos suíços. O fato de um brasileiro, como eu, confessar que nunca esteve no Amazonas —viagenzinha de umas seis horas a jato, ou mais, a partir do Rio de Janeiro—, que só viu dois índios em toda a vida —um dos quais deputado federal, de terno e gravata— e que fala espanhol mal, eis que sua língua nativa é o português, deixa as pessoas dos outros países muito desapontadas, achando que estão lidando com um impostor, ou com um mentiroso cínico.

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Duas razões me fazem incompetente em matéria de dinheiro. A primeira vem da profissão, pois a opulência não costuma apanhar as letras. Lembro um outro escritor, respondendo sobre se livro dá dinheiro. “Dá, sim”, disse ele. “Contanto que não seja o escritor.”

A segunda razão é a minha condição de brasileiro. No Brasil, não há dinheiro. Há papéis coloridos e moedinhas talvez feitas de restos de panelas velhas. E isso vem de longe. Nasci quando o mil-réis foi substituído pelo cruzeiro.

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Formada em meio a esse ceticismo, a família estava, naturalmente, desprevenida para os rigores do inverno. Senti-me na obrigação de realizar pelo menos um seminário preparatório. Comecei com informações básicas, numa conferência preliminar em que abordei vários tópicos, tais como o que é o inverno, o que é frio —com uma aula prática mais ou menos dentro da geladeira—, o que é uma ceroula, por que não se pode passear no Halensee de bermudas e sem camisa em janeiro, como se explica que neve não é algodão nem tem açúcar, e assim por diante.

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Dir-se-ia então que é mais difícil um brasileiro ser atropelado em Berlim do que um nadador olímpico se afogar numa piscina infantil. Ledo engano, conclusão precipitada. Tanto eu quanto minha mulher, que sobrevivemos rotineiramente à travessia das ruas mais conflagradas do Rio de Janeiro, já fomos atropelados diversas vezes em Berlim. O recordista sou eu, com uns oito casos, todos sem maiores consequências, a não ser um machucadinho ou outro e protestos indignados por parte dos atropeladores. Sim, porque não fui atropelado por carros, ônibus ou caminhões, mas pelo mais terrível, impiedoso e ameaçador veículo que circula pelas ruas de Berlim: a bicicleta.

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Nota do blogueiro: Os trechos acima reproduzidos foram extraídos do livro “Um brasileiro em Berlim”, editora Objetiva. O autor, um dos maiores da língua portuguesa, contava histórias como ninguém. Irreverente, avesso a protocolos e formalismos, ele disparava para desencanto dos mais eruditos: “Encaro com muito tédio papo de literatura.” Quando ganhou o prêmio Camões, o escritor absteve-se de malabarismos explicativos e respondeu a um jornalista sobre o significado da homenagem: “Pra ser sincero, eu não acho nada demais. Ganhei porque eu mereço.” O signatário deste blog reverencia a genialidade do baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014).

Última crônica de João Ubaldo Ribeiro

Mário Prata fala do amigo

Fernanda Torres, na Folha, sobre João Ubaldo Ribeiro

um brasileiro em berlim