terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Fio amarelo de esperança


Deus e os meus próximos são testemunhas da importância dos fios de ovos para minha mesa natalina. Como-os antes, durante, depois da Ceia, no dia seguinte, com comida, com sobremesa, com pão, puro...

Neste ano, encomendei fios de ovos no Big Bom. Em algum Natal recente já havia comprado lá, gostado, e o preço era bem atrativo: 48 crepúsculos por mil gramas.

Dia 24, depois do almoço, dia e hora em que só os insanos vão a um supermercado, fui eu lá, ansioso, pegar os deliciosos e amarelos barbantinhos de ovo e açúcar.

Não gostei do que vi quando a atendente me entregou a embalagem plástica transparente. O nome errado escrito num papelzinho —Laura— foi inofensivo perto do que meus cansados olhos registravam. Nada dos fiozinhos compridos cor de gema. A coisa era assustadora: pelotinhas esverdeadas de aparência macabra. Sim, pelotinhas esverdeadas. O horror, o horror!

Botei no carrinho e comecei a conjecturar entre as gôndolas: eles ainda estariam quentes, e, no decorrer do dia, os cachinhos seriam naturalmente esticados e a cor metamorfoseada para o amarelo clássico. Ou ainda, a Laura existiria e teria pedido uma variante inusitada: ninho de ovos com espinafre. 

No checkout, desisti de depositar expectativas redentoras sobre aquilo. Arrasado, pedi pra chamar a gerente e fiz um discurso inflamado aventando a real possibilidade d’eu ser privado de fios de ovos na Noite Feliz. “Moça, isso é sério!”, alertei à funcionária.
Ela se desculpou e recolheu a feiúra para análise. Não mais voltou.

A última cartada seria tentar a Padaria Firenze no minuto derradeiro da prorrogação. Goooool! Minha Ceia foi salva por um exagero do padeiro que, graças a Deus, fez uma quantidade superior ao encomendado. 80 crepúsculos o quilo foram pagos sem arrependimento por fios de ovos irreparáveis no sabor, na coloração e no formato. 

Sempre há um fio de esperança. 
Não desista nunca!

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Micagens



Sou um homem de fé. Acredito em Papai Noel e numa cápsula supostamente natural que promete emagrecimento com a ingestão de duas delas ao dia. Sem exercícios físicos e sem dieta.

No trabalho, antes de sair para o almoço, como é recomendável, tomo a milagrosa de aroma herbal enquanto atendo os clientes.

Semana última, enquanto ofertava crédito barato a uma freguesa idosa, joguei a bendita na boca e intentei engoli-la a seco. A coisinha, carecendo de um empurrão líquido, estacionou impiedosamente na minha goela.

Não quis demonstrar o vacilo e prossegui no atendimento. Em vão. Fui entregue pela minha voz saindo num tom falsete, por uma lágrima e por caretas esquisitíssimas, enquanto tentava eu forçar a ida daquele cilindrinho para o meu sistema digestivo.

Atônita, a anciã não falou nada, mas ficou nítido o espanto dela ante aquele bancário que falava fino, fazia micagens, vertia água do olho e prometia grandes vantagens.

Acreditem ou não: concedi o empréstimo, vendi um seguro, consegui engolir a cápsula e emagreci 3kg.

sábado, 15 de dezembro de 2018

Dezembro


Ouço por aí queixas generalizadas sobre a antecipação forçada do clima de Natal.

Eu, ao contrário, nunca reclamei.

Eu gosto...

Gosto das noites movimentadas no comércio da Dona Gertrudes, do Tekinfin lotado, das pessoas com o espírito mais leve.

Gosto das confraternizações calóricas, dos amigos-secretos nas firmas, do alívio nas metas corporativas.

Gosto dos pisca-piscas do comércio popular da Ademar de Barros. Gosto das crianças extasiadas com o Papai Noel da Praça Joaquim José.

Gosto dos supermercados abarrotados de perus e panetones. Gosto de fios-de-ovos na ceia. Gosto da simpatia dos lixeiros almejando a caixinha natalina.

Gosto de flanar na Tereziano Valim e ouvir Noite Feliz nas casas que ainda preservam a tradição da novena.

Gosto até da onipresença das uvas-passas nos pratos da grande mesa.

Gosto de esperar um anjo com alguma boa nova na madrugada do dia 25. Nunca vi nem ouvi nada. Ainda assim, continuo esperando.

Gosto de pensar, independentemente de crenças pessoais, na beleza da história daquela menina de 15 anos que aceitou sem assombro o anúncio de que geraria um Salvador. 

Gosto de pensar na fortaleza moral daquele carpinteiro que de repente, sem aviso prévio, foi comunicado de que sua mulher geraria um menino especial.

Gosto de imaginar o choro deste menino único quebrando o silêncio daquela noite na imensidão do deserto.

Gosto de uma certa melancolia que paira no ar de dezembro.

Gosto da euforia —etílica ou não— dos que celebram nos eventos de fim de ano.

Gosto de, na quietude da noite, ficar sozinho contemplando a minha árvore de Natal. Lembrar de quem não mais está fisicamente por aqui. Do meu pai, da minha avó Fiuca, de amigos, de familiares, do caldo de gente querida que me moldou, de épocas felizes que vêm ao presente com cheiro de ameixa, nozes e champagne.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Ollivia: novo chef


Pelo prédio histórico, pelo ambiente de extremo bom gosto e pelo cardápio, o Ollivia está há tempos fincado no mapa de comer bem na região. Sou fã da casa desde a inauguração.

Na dinâmica da vida, mudanças são tão naturais quanto saudáveis. A cozinha do restaurante poços-caldense trocou de comandante. 

Rony Islan, um mineiro de BH que se fez profissionalmente na área de telecomunicações, morando em São Paulo e viajando pelo Brasil, é o novo chef do Ollivia. Após um infortúnio familiar, ele chegou a Poços de Caldas em 2012 para trabalhar numa churrascaria. Estudioso, observador e talentoso, o cozinheiro se projetou rapidamente e conquistou o posto de sous-chef de Henrique Benedetti.

Atraído por um novo projeto, Benedetti saiu do Ollivia deixando Rony pronto e acabado para sucedê-lo. 

No começo de novembro deste 2018 quase finado, o estabelecimento renomado dos gentis e competentes Luciano Mussolin e Liliane Ormeneze passou a ter outro —e promissor— nome bordado no dólmã.

Rony Islan deu-me hoje aquelas boas-vindas que seduzem o mais exigente comensal: risoto de camarão com mozzarella de búfala.

domingo, 2 de dezembro de 2018

Letras Sempre Vivas

Às margens do rio Paranapanema, na pequena localidade paulista de Timburi, os adolescentes passavam férias. Ela vinha de Botucatu para o aconchego da casa dos avós maternos ; ele, de Ipaussu, tinha ascendentes de pai e mãe na mesma cidade.

A paquera, o cruzar de olhares, os bilhetinhos trocados através de primos e amigos. Os encontros na Praça da Matriz. As cartas escritas com a tinta da paixão juvenil.

Hélio e Heloísa, pela distância e pelo rigor dos costumes da época, só oficializaram o namoro depois de cinco anos de flertes e de declarações via Correios.

O casamento foi em 1982, na Botucatu da noiva de sangue suíço, Heloísa Ambiel Pires. Ela, filha de um comerciante que tinha distribuidoras de periódicos em várias cidades de São Paulo, ajudava o pai na gestão do negócio. Hélio Gatti Martins, nos primeiros anos de vida conjugal, trabalhou em Bauru, na estatal de energia CESP. 

A Agência Pires de Jornais e Revistas, na Dona Gertrudes dos Crepúsculos, estava também no rol de empreendimentos do senhor José Camargo Pires.

Pais de Ana Luísa, então com dois anos, Hélio e Heloísa aterrissaram em São João da Boa Vista em 1986 para assumir o negócio de jornais e revistas da família, que estava arrendado.

A prole cresceu: Clarissa e Elisa nasceram nesta abençoada aldeia oxigenada pela brisa da Mantiqueira

Bonança também na empresa. O suor recompensa.
A banca foi modernizada, a distribuição prosperou, os livros se juntaram aos jornais. O nome forte Letra Viva saiu de um concurso entre os sanjoanenses. Em 1996, o lendário Bar Canecão sucumbiu, e a Letra Viva passou a ocupar a esquina mais nobre do comércio macaúbico.

Nessa trajetória de 32 anos letrando a nação crepuscular, a Letra Viva testemunhou gerações legando boa literatura aos mais novos. Aqueles jovens que começaram a frequentar a livraria no fim dos anos 1980, voltaram à loja tempos depois, com seus filhos, para juntos sentirem os prazeres do manuseio, do passeio entre as estantes, do cheiro de tinta no papel, da compra do bom e velho livro.

Semanas atrás, Hélio e Heloísa comunicaram à província o encerramento das atividades da Letra Viva. As redes instantaneamente foram inundadas por lamentos sinceros pelo fechamento do estabelecimento que já está gravado na memória afetiva de São João da Boa Vista.

Sobre esse fim de ciclo, reproduzo as palavras de Heloísa, colhidas hoje cedo na sua casa, entre xícaras de café e o som da chuva:

“Fecho a livraria sem nenhum sentimento negativo. São João muito nos deu e, modestamente, tentamos retribuir à cidade estes bons sentimentos. A dinâmica do varejo tem mudado muito rápido nos últimos anos. Sempre fui antenada para não perder o bonde do mundo empresarial. Ultimamente, a idade tem pesado e acho que estou começando a perder a capacidade de me atualizar na velocidade do mundo de hoje. Ao contrário do que muitos pensam, a Letra Viva teve como clientela maior as classes B e C. Jovens de escolas públicas, sim, frequentavam a livraria e compravam livros. Mais do que a maioria imagina. Essa relação da Letra Viva com o público infantil e juvenil é o vínculo do qual mais me orgulho, e é disso que mais vou sentir saudade”. 

Antes de finalizar minha modesta deferência ao casal Letra Viva, quero dar um toque mais pessoal ao tributo. Moramos, nós e eles, nas cercanias do circuito Tereziano Valim-Gabriel Ferreira-Dom Pedro II. Mais do que essa vizinhança, temos, eu e Josi, um filho comum com os homenageados: Andreas Lemmer, um intercambista alemão, morou em nossos lares nos idos de 2003/2004. Pelo convívio e pela proximidade, atesto o quão íntegros, discretos, devotados aos seus e ao labor eles genuinamente são.