sábado, 28 de junho de 2025

Casório, Cheetos e bolovo

 

Ronaldo chega com sua reluzente Lamborghini ao estacionamento do Big Bom e encontra Michel Teló saindo.


— Veio pro casório, né, Fenômeno?


— Não… vim comprar búfalas do Fabinho Montezuma… — dá uma gargalhada e corrige — Claro que eu vim pra festança da Gio!


— Gozador! E aqui no Big, veio fazer o quê?


— Comprar um Nugget preto pra dar um talento no meu sapato italiano. E tu, Teló?


— Fanta Uva e Cheetos. Sou viciadão, mano. Mas falando sério: não é só o pisante que precisa de um trato. Tua Lambo tá imunda. Já conheço as paradas aqui. Leva a máquina no Vermeio, em frente ao Pague Menos. Ele vai caprichar pra você. Dá até uma encerada.


— Não vou mexer com isso, não. Seria serviço perdido: depois vou pegar um poeirão na estrada da Capituva. Preciso mesmo é de um carregador de iPhone. Sabe onde tem?


— Vem comigo, te levo no Lulu Presentes, na Ademar de Barros. Lá tem um piratão por trinta reais que funciona bem.


— Ah, eu conheço! É a loja do chinês. Comprei lá o presente da noiva. Bem mais barato que na tal Giordano.


— Munheca, hein, Fenômeno?


— Vai cagar, Teló! E o esquenta, vamos onde?


— Neguinho da Beija-Flor tá comendo um torresmo na Avenida Brasília. Bora lá?


— Bora! E depois da festa, comemos onde? Como pouco nessas festas chiques.


— Tá gordo e tá pensando em comida, Fenômeno.


— Vai cagar, Teló! Rola uma sustança na madrugada?


— Tem um quiosque de salgado na porta do cemitério.


— Será que tem bolovo? Adoro bolovo.


— Tem sim, mas eu curto a coxinha.


— Fechado! Olha lá o Neguinho na maior resenha com a moça. Quem é a beldade?


— …


quarta-feira, 25 de junho de 2025

Crônicas do apartamento 8


O que é uma internação? Uma sucessão de protocolares batidinhas na porta seguidas de picadas, eu diria. Uma agulhada para o soro, outra para o dreno e mais uma para a medicação na veia; ao longo do dia, picadinhas para medir a glicose. A trombose é evitada com uma espetada na barriga. Se o “acesso” é perdido — o que acontece muito —, lá vem mais um furo para abrir outra estrada venosa. E segue o baile hospitalar das ferroadas, no compasso do (des)tempero da comida hipossódica, que também é uma picada — esta, no paladar de um bom garfo.

ENTRE A ETERNIDADE E A POLPA DE ACEROLA — Grogue da anestesia geral, fui transportado da mesa gelada do centro cirúrgico direto para a UTI. Aos poucos, fui despertando naquele cenário estranho, envolto por conversas um tanto inusitadas. A jovem equipe de enfermagem estava agitada por causa de um sorteio: a afortunada profissional cujo nome estivesse no papelzinho seria agraciada com um saudável kit de polpas de frutas. What?

Abri bem os olhos, chequei o soro, espiei meu joelho avariado, arrisquei um auto-beliscão forte. A dúvida ainda pairava: minha entrada na eternidade seria mesmo marcada pelo anúncio de uma prosaica loteria frutada?

Fiquei feliz! Primeiro, por constatar que sigo respirando nestas plagas; depois, por perceber que, naquela área hospitalar restrita, havia uma atmosfera leve, povoada por gente trabalhando com alegria — ainda que, ali, pacientes mais críticos recebessem cuidados intensivos.

Até nos ambientes mais delicados, onde a saúde humana flerta com fragilidades e perigosos limiares, a vida pode ser doce, colorida e com aroma de morango.

CUIDADO — Quatro da madrugada. A batidinha na porta anuncia a primeira agulhada do dia. A enfermeira canta a droga que me protegerá de algum mal estomacal: Digesan.

Minutos após a picada, veio a pior sensação que já senti. Difícil descrever. Boca seca, inquietude, pânico, desespero. Uma ansiedade gigante, nunca antes vivenciada. Escovei os dentes umas dez vezes e caminhei algumas centenas de metros dentro do quarto. Pensei, de verdade, ser sintoma de abstinência de Coca-Cola. Cogitei ser um surto psicótico decorrente desta longa internação que me priva de pequenos prazeres cotidianos.

O desconforto foi tal que planejei uma fuga. Sem tirar o pijama, sairia em disparada do hospital, avisando Josi pra me resgatar em algum ponto da Durval Nicolau.

Há vários relatos de efeitos indesejáveis do Digesan. Um convalescente da Santa Casa de Ituiutaba jurou ter visto o Odair José entrar no quarto de jaleco, estetoscópio no pescoço, cantarolando em voz mansa “Pare de tomar a pílula…”, com olhar clínico e tom de recomendação. Diante desse testemunho, não achei que minha aflição foi a pior.