O que é uma internação? Uma sucessão de protocolares batidinhas na porta seguidas de picadas, eu diria. Uma agulhada para o soro, outra para o dreno e mais uma para a medicação na veia; ao longo do dia, picadinhas para medir a glicose. A trombose é evitada com uma espetada na barriga. Se o “acesso” é perdido — o que acontece muito —, lá vem mais um furo para abrir outra estrada venosa. E segue o baile hospitalar das ferroadas, no compasso do (des)tempero da comida hipossódica, que também é uma picada — esta, no paladar de um bom garfo.
ENTRE A ETERNIDADE E A POLPA DE ACEROLA — Grogue da anestesia geral, fui transportado da mesa gelada do centro cirúrgico direto para a UTI. Aos poucos, fui despertando naquele cenário estranho, envolto por conversas um tanto inusitadas. A jovem equipe de enfermagem estava agitada por causa de um sorteio: a afortunada profissional cujo nome estivesse no papelzinho seria agraciada com um saudável kit de polpas de frutas. What?
Abri bem os olhos, chequei o soro, espiei meu joelho avariado, arrisquei um auto-beliscão forte. A dúvida ainda pairava: minha entrada na eternidade seria mesmo marcada pelo anúncio de uma prosaica loteria frutada?
Fiquei feliz! Primeiro, por constatar que sigo respirando nestas plagas; depois, por perceber que, naquela área hospitalar restrita, havia uma atmosfera leve, povoada por gente trabalhando com alegria — ainda que, ali, pacientes mais críticos recebessem cuidados intensivos.
Até nos ambientes mais delicados, onde a saúde humana flerta com fragilidades e perigosos limiares, a vida pode ser doce, colorida e com aroma de morango.
CUIDADO — Quatro da madrugada. A batidinha na porta anuncia a primeira agulhada do dia. A enfermeira canta a droga que me protegerá de algum mal estomacal: Digesan.
Minutos após a picada, veio a pior sensação que já senti. Difícil descrever. Boca seca, inquietude, pânico, desespero. Uma ansiedade gigante, nunca antes vivenciada. Escovei os dentes umas dez vezes e caminhei algumas centenas de metros dentro do quarto. Pensei, de verdade, ser sintoma de abstinência de Coca-Cola. Cogitei ser um surto psicótico decorrente desta longa internação que me priva de pequenos prazeres cotidianos.
O desconforto foi tal que planejei uma fuga. Sem tirar o pijama, sairia em disparada do hospital, avisando Josi pra me resgatar em algum ponto da Durval Nicolau.
Há vários relatos de efeitos indesejáveis do Digesan. Um convalescente da Santa Casa de Ituiutaba jurou ter visto o Odair José entrar no quarto de jaleco, estetoscópio no pescoço, cantarolando em voz mansa “Pare de tomar a pílula…”, com olhar clínico e tom de recomendação. Diante desse testemunho, não achei que minha aflição foi a pior.