sábado, 28 de junho de 2025

Casório, Cheetos e bolovo

 

Ronaldo chega com sua reluzente Lamborghini ao estacionamento do Big Bom e encontra Michel Teló saindo.


— Veio pro casório, né, Fenômeno?


— Não… vim comprar búfalas do Fabinho Montezuma… — dá uma gargalhada e corrige — Claro que eu vim pra festança da Gio!


— Gozador! E aqui no Big, veio fazer o quê?


— Comprar um Nugget preto pra dar um talento no meu sapato italiano. E tu, Teló?


— Fanta Uva e Cheetos. Sou viciadão, mano. Mas falando sério: não é só o pisante que precisa de um trato. Tua Lambo tá imunda. Já conheço as paradas aqui. Leva a máquina no Vermeio, em frente ao Pague Menos. Ele vai caprichar pra você. Dá até uma encerada.


— Não vou mexer com isso, não. Seria serviço perdido: depois vou pegar um poeirão na estrada da Capituva. Preciso mesmo é de um carregador de iPhone. Sabe onde tem?


— Vem comigo, te levo no Lulu Presentes, na Ademar de Barros. Lá tem um piratão por trinta reais que funciona bem.


— Ah, eu conheço! É a loja do chinês. Comprei lá o presente da noiva. Bem mais barato que na tal Giordano.


— Munheca, hein, Fenômeno?


— Vai cagar, Teló! E o esquenta, vamos onde?


— Neguinho da Beija-Flor tá comendo um torresmo na Avenida Brasília. Bora lá?


— Bora! E depois da festa, comemos onde? Como pouco nessas festas chiques.


— Tá gordo e tá pensando em comida, Fenômeno.


— Vai cagar, Teló! Rola uma sustança na madrugada?


— Tem um quiosque de salgado na porta do cemitério.


— Será que tem bolovo? Adoro bolovo.


— Tem sim, mas eu curto a coxinha.


— Fechado! Olha lá o Neguinho na maior resenha com a moça. Quem é a beldade?


— …


quarta-feira, 25 de junho de 2025

Crônicas do apartamento 8


O que é uma internação? Uma sucessão de protocolares batidinhas na porta seguidas de picadas, eu diria. Uma agulhada para o soro, outra para o dreno e mais uma para a medicação na veia; ao longo do dia, picadinhas para medir a glicose. A trombose é evitada com uma espetada na barriga. Se o “acesso” é perdido — o que acontece muito —, lá vem mais um furo para abrir outra estrada venosa. E segue o baile hospitalar das ferroadas, no compasso do (des)tempero da comida hipossódica, que também é uma picada — esta, no paladar de um bom garfo.

ENTRE A ETERNIDADE E A POLPA DE ACEROLA — Grogue da anestesia geral, fui transportado da mesa gelada do centro cirúrgico direto para a UTI. Aos poucos, fui despertando naquele cenário estranho, envolto por conversas um tanto inusitadas. A jovem equipe de enfermagem estava agitada por causa de um sorteio: a afortunada profissional cujo nome estivesse no papelzinho seria agraciada com um saudável kit de polpas de frutas. What?

Abri bem os olhos, chequei o soro, espiei meu joelho avariado, arrisquei um auto-beliscão forte. A dúvida ainda pairava: minha entrada na eternidade seria mesmo marcada pelo anúncio de uma prosaica loteria frutada?

Fiquei feliz! Primeiro, por constatar que sigo respirando nestas plagas; depois, por perceber que, naquela área hospitalar restrita, havia uma atmosfera leve, povoada por gente trabalhando com alegria — ainda que, ali, pacientes mais críticos recebessem cuidados intensivos.

Até nos ambientes mais delicados, onde a saúde humana flerta com fragilidades e perigosos limiares, a vida pode ser doce, colorida e com aroma de morango.

CUIDADO — Quatro da madrugada. A batidinha na porta anuncia a primeira agulhada do dia. A enfermeira canta a droga que me protegerá de algum mal estomacal: Digesan.

Minutos após a picada, veio a pior sensação que já senti. Difícil descrever. Boca seca, inquietude, pânico, desespero. Uma ansiedade gigante, nunca antes vivenciada. Escovei os dentes umas dez vezes e caminhei algumas centenas de metros dentro do quarto. Pensei, de verdade, ser sintoma de abstinência de Coca-Cola. Cogitei ser um surto psicótico decorrente desta longa internação que me priva de pequenos prazeres cotidianos.

O desconforto foi tal que planejei uma fuga. Sem tirar o pijama, sairia em disparada do hospital, avisando Josi pra me resgatar em algum ponto da Durval Nicolau.

Há vários relatos de efeitos indesejáveis do Digesan. Um convalescente da Santa Casa de Ituiutaba jurou ter visto o Odair José entrar no quarto de jaleco, estetoscópio no pescoço, cantarolando em voz mansa “Pare de tomar a pílula…”, com olhar clínico e tom de recomendação. Diante desse testemunho, não achei que minha aflição foi a pior.

sábado, 17 de maio de 2025

Meia memórias, meia mozzarella


Vinte e oito de fevereiro de 1986. Pela TV, acompanhávamos o presidente Sarney anunciando o Plano Cruzado, que teria o condão de salvar o Brasil da hiperinflação. Naquela mesma data, três jornalistas —Francisco Arten, Gilberto Pirajá e Edelson Decanine— inauguravam um negócio que teria o condão de incluir São João num universo que a cidade desconhecia. Chico Arten lembra que o trio comprou o ponto num rompante de fim de noite —e que só no dia seguinte a ficha caiu. O plano econômico não deu muito certo. Já o plano napolitano…


Adolescente em São João, em meados da década de 1980, tinha um programa sagrado nas noites de sexta: o rodízio de pizzas da Tarantella. O porão na baixada da Rua São João abrigava uma das pizzarias mais frequentadas da história da província. A Tarantella marcou época pela qualidade das redondas, pela massa fina, pelo pioneirismo no rodízio e pelo inusitado subsolo aconchegante onde foi instalada.


A molecada travava lá uma disputa insana: quem comia mais pedaços. Doze foi o máximo que o autor destas linhas conseguiu. Um hoje respeitável pai de família —então meu amigo à época— cravou dezoito pedaços e algumas Coca-Colas numa noitada antológica em 1986. Zé Luis Arten, que esteve na casa desde a abertura —primeiro gerenciando e depois, com a saída dos dois outros parceiros, se associando ao irmão Chico— conta que um cliente de Águas da Prata foi o recordista: em algumas horas, ele devorou incríveis trinta e oito pedaços, quase cinco pizzas inteiras. O fenomenal glutão ainda teve a pachorra de finalizar a epopeia com uma taça colegial.


A Tarantella, nalgum momento, virou apenas memória crepuscular, mas suas pizzas nunca morreram. Por mais de 1/4 de século, Zé Arten e a mulher, Shalimar Brandão, as mantiveram no cardápio do Restaurante da Esportiva. Aliás, é notável o sucesso que eles conquistaram no clube, fosse com as famosas redondas ou com os pratos à la carte.


Numa dessas peças do destino, Zé e Shalimar foram “convidados” a abandonar o Restaurante da Esportiva, deixando uma legião de clientes e sócios tão tristes quanto famintos.


Se há freguesia carente e time que sabe trabalhar, portas sempre se reabrem. Neste maio de 2025, a marca Tarantella renasceu. A Praça da Bandeira é testemunha deste recomeço que congrega uma mistura de pizzas afetivas, belos filés, tradição e gente que arregaça as mangas e faz acontecer —agora com o reforço da dupla Charleston e Fabiana Gomes, que chega somando talento, experiência comercial e entusiasmo à empreitada.

terça-feira, 6 de maio de 2025

O mel que escorre na Serra

Saímos de casa numa manhã esplendorosa de outono para conhecer uma história sendo contada em meio à natureza da Serra da Paulista. O céu tinha um azul profundo, em harmonia com o verde das encostas —uma cena que convida à contemplação.

Acolhidos sob o canto dos pássaros e a sombra das árvores, fomos guiados por Felipe Meireles, carioca de origem, mas com raízes hoje bem fincadas na Serra. É ele quem criou e conduz o Apiário Oásis, um refúgio doce onde ciência, biodiversidade e afeto se encontram.

Felipe tem 37 anos, é botânico, sommelier do produto do néctar das abelhas e uma das principais referências no Brasil quando se fala de mel como expressão gustativa, ecológica e cultural. Criador da primeira roda sensorial voltada às abelhas corbiculadas e idealizador do primeiro curso de sommelier de mel do país, atuou por anos no setor público com foco na polinização. Seu trabalho une ciência, conservação e gastronomia —sempre com atenção à biodiversidade e aos sabores que a terra oferece.

Provamos, eu e Josi, onze tipos de meles: de café, angico, cipó-uva, jataí, uruçu, aroeira, silvestre picante, borá, caju, mandaçaia… cada um com seu sabor, sua memória, suas notas e retrogostos.

Desde 2020, Felipe mora na Serra da Paulista com a esposa, Lígia —natural de Vargem Grande do Sul— e os filhos, Antonio e Pedro. Vieram em busca de sossego, mas encontraram mais: compraram a gleba com quase nenhuma benfeitoria e, com investimento e paixão, a transformaram num lugar fértil, vivo e bem cuidado. Ali crescem mais de 900 espécies frutíferas, e até os peixes do tanque são alimentados com frutas —tudo integrado a um ecossistema construído com consciência e sustentabilidade.

Na mesma propriedade funciona a Hospedaria Oásis, espaço que recebe turistas, chefs em processo criativo e amantes da gastronomia. São duas casas equipadas, com internet e conforto, onde os hóspedes vivenciam experiências exclusivas com raridades do apiário, frutas incomuns (como o  incrível Fruto do Milagre, que torna tudo doce como mel) e os saberes que Felipe cultiva com entusiasmo e compartilha com generosidade.

Ao fim da visita, perguntei se ele não sentia falta da cidade. Felipe sorriu, convicto de que já encontrou o que procurava:
— Nunca mais quero sair da Serra.

[Visitas ao Apiário Oásis podem ser agendadas pelo WhatsApp: (19) 98399-9448]

Sabores patagônicos

 

No avião, entre Santiago e Punta Arenas, a gastronomia da viagem começou bem ruim. Ainda bem que o chão firme da Patagônia e seus sabores redimiram o desastre culinário do voo.


Cebolitos e pipoca doce

Rumo ao extremo sul das Américas, a comissária da Latam me desperta às 5 da madrugada para o desjejum. Sonolento, ouvi daquele espanhol metralhado dela que as opções de refeição seriam um pequeno suflê de cabrita e um bolo de caramelo. Vibrei com a excêntrica oferta culinária. Minha fome patagônica e minha curiosidade por um café da manhã típico obrigaram-me a pedir os dois. Que tristeza! Que vontade de pular do avião quando recebi os pacotinhos com oito gramas de cebolitos e dez de pipoca doce. Desde os 7 x 1 eu não me sentia tão impiedosamente derrotado. Josi, ao lado, cometia sua primeira gargalhada do dia, ainda nos céus da Patagônia.


Empanadas da Chacrita de Nimez

Voltando do indescritível Perito Moreno, peço ao ChatGPT que me indique a melhor empanada de El Calafate. Esperava, confesso, alguns lugarzinhos da moda na Avenida del Libertador. Ficamos, eu e Josi, ressabiados diante daquele estabelecimento perdido num trecho ermo defronte ao lago Nimez. Ainda assim, a curiosidade venceu a desconfiança. Um jovem casal nórdico, com seus dois filhos, era a única presença naquele ambiente um tanto psicodélico. Gostei do que vi —e do que ouvi: uma playlist roqueira, anos 80 e 90, daquelas que merecem respeito. As empanadas —de carne, cordeiro, cebola com queijo— eram argentinamente fantásticas. E o ChatGPT, veja só, afinadíssimo com meu gosto meio underground. Nem precisava do jarrão de cerveja artesanal ou da panqueca com doce de leite. Eu viveria das empanadas da Chacrita de Nimez.


Trattoria Maffia e o ravioli de cordeiro

Tão célebre quanto o cordeiro patagônico em si, são as massas recheadas com sua carne —especialmente raviolis e sorrentinos. Não poderia deixar El Chaltén sem provar essa pasta estufada com o sabor icônico do extremo sul das Américas. A escolhida foi a Trattoria Maffia: madeira em profusão, poucas mesas, uma bela carta de vinhos, uma dona antipática, garçonetes gentis e um ravioli de cordeiro do tamanho do Fitz Roy.


Parrillada

Em Santiago, a mesa se põe com sotaque tradicional chileno: pratos clássicos, frutos do mar frescos e, quase sempre, um toque do vizinho Peru, cuja gastronomia conquistou espaço cativo por ali. Já no sul, na vastidão fria da Patagônia, além dos frutos do mar nas cidades litorâneas, o cheiro de churrasco é sentido nas esquinas. Talvez pela vizinhança com a Argentina, abundam restaurantes que servem carne na parrilla. Cortes tão generosos quanto as brasas.


Cordeiro patagônico

O cordeiro patagônico é mais do que um prato: é quase um rito. Assado lentamente ao estilo tradicional, em cruzes de ferro inclinadas diante da brasa, ele resume bem a rusticidade elegante da região —carne macia, sabor profundo, gordura na medida. Em praticamente todos os cantinhos da Patagônia ele aparece com destaque nos cardápios, do restaurante mais turístico ao parrillero mais raiz. E, em geral, não decepciona.

O melhor que comemos na viagem —e olha que experimentamos alguns bons— foi no restaurante Mi Viejo, em El Calafate. A carne veio no ponto exato, úmida, dourada por fora, com aquele gostinho de defumado que só o fogo lento consegue dar. Acompanhado de um vinho tinto e do frio que não dá trégua, foi daqueles jantares que a memória guarda com carinho e um tantinho de saudade.

Na Patagônia, o cordeiro não é só uma refeição, é também ícone da cultura local. E, no Mi Viejo, virou também um capítulo especial do nosso roteiro.

terça-feira, 22 de abril de 2025

Ecos patagônicos

Um sonho de anos, enfim realizado: duas semanas de viagem de carro pelo extremo sul das Américas. Entre montanhas, geleiras, desertos frios e estradas infinitas, cruzamos a Patagônia argentina e chilena em pleno começo de outono, quando o termômetro já acusa, com mais força, a proximidade do inverno. Durante todo o périplo, a temperatura não passou dos 12ºC. Foram dias de encantamento contínuo, com paisagens que multiplicam adjetivos e dizem mais que qualquer palavra.


Torres del Paine
Em Torres del Paine, a exuberância da natureza se impõe diante da magnitude das formações rochosas e dos lagos azuis-esverdeados, lembrando que a preservação ambiental e o turismo sustentável são essenciais para manter intocado um dos lugares mais lindos do mundo. Ao chegar ali, neste começo de outono, não economizei nas exclamações — que lugar é esse! Um parque patagônico de beleza espantosa, onde cada singularidade encanta como um assombro gigantesco e silencioso.



Perito Moreno 

A formação atual de Perito Moreno tem 18 mil anos — é um dos raros glaciares do mundo que ainda resiste à lógica do derretimento constante. Avança, recua, mas permanece. Teimoso como os andinos. Forte como os patagônicos. Valente como os mapuches. Ou como os dois fonteplatiners que ali estavam, desafiando a distância, o frio e a correria moderna só para ver de perto o que o tempo — aquele que tudo leva — resolveu, naquele rincão do fim do mundo, preservar. E assim, entre estalos de gelo rompido e silêncios cheios de assombro, Lauro e Josi descobriram que há paisagens que não se contemplam apenas com os olhos, mas também com a alma.


Rutas 40 e 23
A estrada entre El Calafate e El Chaltén é uma travessia pela vastidão da Patagônia — linda, árida, quase lunar. O asfalto da mítica Ruta 40 corta planícies ladeadas por formações rochosas monumentais. Não há pastos, nem plantações, nem cercas que limitem a paisagem: só o deserto frio, o céu imenso e o silêncio desolador. A única vida que se vê são os guanacos — solitários, altivos, indiferentes à presença dos carros. Por vezes, nos assustamos com eles, velozes e elegantes, cruzando perigosamente a carretera. E, quando tudo parece inóspito, sem promessa do término das retas monótonas, lá no horizonte irrompe o Fitz Roy, como uma escultura de pedra e gelo. A imagem que ilustra este tópico foi feita ali mesmo, da Ruta 23, no segundo trecho do trajeto, pouco antes da chegada a El Chaltén — como se a montanha estivesse esperando, paciente, o fim do percurso de 215 quilômetros.


Fitz Roy

No terceiro e último dia em El Chaltén, viva!, o céu enfim abriu. Não muito, é verdade — mas o suficiente para que ele aparecesse: o imponente Fitz Roy. E uma boa foto não acontece sem esforço. Outra vez, saímos cedo, sob 2ºC, montanha acima. Passo a passo, respiração curta, dedos frios. O gigante de pedra, ícone da Argentina, da Patagônia, do trekking, da fotografia. Finalmente, o Fitz Roy!


Punta Arenas
Diante do Estreito de Magalhães, vejo in loco aquilo que aprendi nas aulas de Geografia: a estreita e histórica passagem que, em 1520, permitiu a Fernão de Magalhães ligar o Atlântico ao Pacífico, abrindo uma rota vital para a navegação mundial — de Punta Arenas, contemplo não só uma paisagem, mas um capítulo vivo da História. É a cidade mais ao sul do planeta com mais de cem mil habitantes.


quinta-feira, 27 de março de 2025

Rizz


— Lauro, você conhece o Rizz? 

— Eu conheci o embrião do Rizz, o restaurante de risotos do Biluca, mais de uma década atrás. 

— Lauro, prestenção, você não conhece o Rizz!


Rizz é o nome que chegou em 2016 à casa que funciona desde 2008. Naquele ano, Zé Fernando dos Reis, o Biluca, inaugurou o Estação São Pedro, um restaurante que propunha risotos. Monica, sua mulher, colocava no negócio familiar seu conhecimento e sua paixão pela cozinha. O cardápio, aos poucos, ganhou fama, corpo e clientela. Virou referência na região. Forjado no comércio pinhalense — foi proprietário de loja de presentes e importados —, Biluca e os seus sabem da importância de fidelizar o consumidor.


No último ano, na esteira do boom do enoturismo em Pinhal, o Rizz passou por uma intensa repaginação. Teve muita novidade: da louçaria ao mobiliário, até a mudança para o elegante imóvel da Coronel Joaquim Vergueiro. Mas o mais importante, nesse período todo, foram as constantes inovações no menu. Monica, que faz questão de pratos autorais, encanta os comensais cada vez mais exigentes que frequentam a cidade, seja com os tradicionais risotos, seja com ancho, camarão, cordeiro, bacalhau ou polvo.


Com a recente vocação vinícola de Espírito Santo do Pinhal, o Rizz respeita e reverencia seu torrão: a carta de Bacco é 100% regional.


A coisa deu tão certo que o restaurante absorve a força de trabalho de todo o clã. Os filhos, João e Thiago, ajudam no estabelecimento original. Pedro, o outro rebento, está em São Paulo, expandindo fronteiras e replicando o conceito no Rizz Moema.


Agora eu posso responder, em vídeo e palavras, ao meu interlocutor incomodado: eu, felizmente, conheço o Rizz!

quarta-feira, 26 de março de 2025

Irarema: o vulcão descansa, o azeite corre

 

Maio de 2019: primeiro brunch na Fazenda Irarema

Na região vulcânica em que São Paulo encontra Minas —o município é São Sebastião da Grama, mas o coração bate forte em Poços de Caldas— a Fazenda Irarema se espalha entre montanhas guardando dádivas oleosas. O que era para ser apenas um refúgio de moradia para a família de Maurício Carvalho Dias virou, sem querer querendo, um polo de azeite premiado e turismo rural. O sujeito foi buscar sossego e acabou encontrando oliveiras, prêmios e uma legião de turistas e foodies de olhos brilhando e pão na mão, prontos para provar a lava dourada que escorre da casa.


Tudo começou em 2016, quando Maurício decidiu plantar oliveiras. Antes mesmo da primeira safra, resolveu investir em uma planta de extração, confiando no projeto como quem aposta em receita de avó: sem erro. E não é que deu certo? A ideia pegou tanto que os vizinhos também se animaram a cultivar oliveiras, e a região passou a sonhar com um novo sobrenome: “Toscana Brasileira”. Exagero? Talvez. Mas quem prova o azeite da Irarema sente que o sonho tem fundamento.


Em 2018, com duas safrazinhas modestas nas costas, decidiram mandar o azeite para o New York Olive Oil Contest, sem grandes expectativas. “Vamos ver o que eles acham”, pensaram. Pois bem, Nova York não apenas aprovou, como elegeu o Irarema Blend Suave o melhor do mundo na categoria. A família acordou famosa, o telefone tocava sem parar (telefone ainda toca?), e a fazenda virou ponto de romaria para apreciadores do bom azeite. Uma curiosidade: a aduana brasileira tentou taxar o troféu vindo dos EUA. A peça só foi liberada depois que provaram, com paciência e bom humor, que era um prêmio azeitado, não contrabando de luxo.


De lá para cá, a coisa tomou proporções sérias. O olival cresceu, de 5 mil para 20 mil pés, e a produção pulou em 2024 para 100 toneladas de frutos. O azeite não apenas se multiplicou, como ganhou variações: frutado, defumado e aromatizado com alecrim, alho, limão siciliano e manjericão. Um cardápio para deixar qualquer salada azeitada de emoção.


Moacir Carvalho Dias, filho, é o cara do azeite na Irarema. Formado em engenharia civil, se especializou em oleotecnia em Portugal e na Espanha, trazendo conhecimentos técnicos essenciais para a qualidade do produto. Reza a lenda que ele já foi DJ por aí. Dos bons! Dizem que seu som azeitava festas como nenhum outro.


O óleo de avocado/abacate entrou para o portfólio da marca em 2022. Com mais pesquisas e investimentos, a fazenda elevou o azeite da fruta a um produto gastronômico de excelência, consolidando o rótulo Irarema como o maior do Brasil no segmento.


Com tanto sucesso, a fazenda virou destino de passeio. Aos fins de semana, centenas de visitantes sobem a serra para conhecer o processo de produção, saborear azeites e, claro, almoçar ou lanchar com aquela vista de tirar o fôlego. A área de vendas, degustação e café não é apenas um espaço funcional, mas um espetáculo à parte: um prédio de design arrojado, onde madeira, ferro e vidro se entrelaçam em harmonia, criando um diamante arquitetônico no meio das oliveiras. Um cenário que convida não apenas à contemplação, mas ao prazer de viver a experiência em todos os sentidos.


O restaurante e a cafeteria estão sob os cuidados da filha Gabriela, enquanto Mônica, a mãe, gerencia uma linha de cosméticos à base de oliva. Na confeitaria, Lídia adoça a experiência com bolos e doces tão caprichados que dá pena de comer. Mas a gente come.


E no alicerce de tudo isso, ainda está o patriarca Maurício, 76, o homem que trocou a paz de um retiro pelo frenesi de um sonho bem-sucedido. Seu legado é uma estância que não apenas produz azeite, mas também alimenta histórias, encontros e memórias.


A arquitetura, as cores, os aromas, o entorno de natureza, o clima de montanha. Impossível não se envolver, não se apaixonar, não se embasbacar com o conjunto da obra.

sábado, 22 de março de 2025

Histórias, sonhos e peixe frito


 Recém-casados, ambos saindo de uniões que não deram certo, os sanjoanenses Humberto e Patrícia buscaram trabalho e novos ares em Divinolândia. O serviço dos dois em um pesqueiro ensinou a mulher o ofício com peixe —limpar, cortar, temperar, empanar, fritar. Vinda de uma trajetória no ramo de vendas, ela adentrava o universo da cozinha. Ele, que já havia sido proprietário de um botequim na Vila Loyola, conhecia a arte de mexer com os bichinhos aquáticos.

O sangue e as raízes trouxeram o casal de volta aos Crepúsculos, depois de quase vinte e quatro meses exilados. O know-how peixeiro e a necessidade de sobrevivência impulsionaram Humberto e Patrícia a empreender. Na mesma Vila Loyola onde ele havia comandado o Bar do Primo, alugaram uma esquina e, com gana de prosperidade, inauguraram, em meados de 2008, o Fish Bar. Ela aprimorou todo o processo, apurando o tempero e o modo de cocção, além de desenvolver talhos que deixavam as porções mais apresentáveis.

O sucesso veio pelo boca a boca, numa época em que as redes sociais ainda engatinhavam. As tilápias crocantes, a maionese temperada e a cerveja gelada viralizaram em São João, atraindo, para as mesas do Fish Bar, nas proximidades do Ginasinho, a clientela que antes frequentava apenas as choperias do Centro. Triunfaram também no período em que se instalaram em um ponto defronte ao finado supermercado Dia%, na rua João Pessoa.

Arriscaram novamente em 2019. Decidiram sair da área que consagrara o estabelecimento e se mudaram para o novo eldorado macaúbico: a avenida Isette Fontão, no Jardim das Flores, na região sul da cidade.

Em um prédio próprio, o Fish Bar se tornou referência de longevidade no concorrido e difícil segmento gastronômico. Mesclando a antiga freguesia com as novas gerações, a casa se mantém: digna, sólida e cheia de sabores. Humberto Francioli e Patrícia Bizo continuam escrevendo uma bela história de vida, condimentada com dedicação, qualidade e ousadia. E, claro, muito peixe —fresco, suculento e frito!

🐠🍺🐠🍺

Fish Bar

📍Av. Profª Isette C. Fontão, 1088, Jardim das Flores

São João da Boa Vista, SP

🕰️ Sexta e sábado, a partir das 17 horas


domingo, 16 de março de 2025

Fazenda Chiqueirão e o fermento das origens

 

— Mãe, podemos nadar na piscina do tio Xixo? —pedia a caçula Elena à matriarca, dona Augusta. 

— Podem, mas só depois das dez. Primeiro, venham me ajudar com os doces.


Um tanto contrariadas, as crianças, em férias de verão, invadiam a cozinha da Fazenda Chiqueirão para descascar goiabas, bananas, peras, marmelos, figos; despejar açúcar, mexer o tacho, envasar, embrulhar...


Assim, Elena Stein Carvalho Dias e seus nove irmãos cresceram, aprendendo as durezas e as belezas do fogão materno, de onde também saíam bolos, pães, queijos e toda sorte de iguarias típicas das roças de antigamente.


A televisão só chegou à casa de Ernesto Carvalho Dias —o pai— quando Elena tinha quatorze anos. Sem TV, a criançada corria pelos campos, subia em árvores, se deliciava no pomar, brincava, lia, admirava a mãe pintando —dona Augusta relaxava com pincéis e telas.


A prole também testemunhou o sucesso do trabalho do genitor, que se tornou o maior produtor de leite de gado Caracu do Brasil. As 1.600 cabeças da propriedade são totalmente criadas no pasto. Desde 1947, o rebanho é fechado, ou seja, não entra nenhum animal de fora, e a reprodução utiliza apenas touros do próprio plantel, o que proporciona uma padronização genética dos bovinos da estância de 400 alqueires. No limiar de um século de jornada —ele faz 100 em maio próximo—, seu Ernesto continua ativo, dominando os números e outras variáveis do negócio.


Elena saiu de Poços ainda adolescente. Aos 16, que choque térmico!, foi cursar o último período do ensino médio em Ribeirão Preto. Logo depois, sentou-se nos bancos universitários em São Paulo para conquistar o diploma de Artes Plásticas pela FAAP. A faculdade foi interrompida por dois anos, quando ela viajou para o Canadá na bagagem da irmã mais velha, Matilde, cujo marido, engenheiro, conseguiu uma colocação profissional em Vancouver.


Na volta à capital paulista, Elena uniu a influência culinária de dona Augusta, a vocação artística e algumas receitas canadenses para empreender num ateliê de bolos sofisticados. Por mais de uma década, ela literalmente meteu a mão na massa e encantou uma clientela de paulistanos exigentes.


A avançada idade dos pais —dona Augusta também chega aos 100 neste 2025—, um chamamento sentimental das raízes e o companheirismo do parceiro de vida, Fernando, fizeram a poços-caldense retornar ao solo vulcânico natal. Era 2018.


O então “menino” de 93 anos, seu Ernesto, incentivou sua menina: “Elena, nosso leite é bom, gordo, forte. Vá depressa fazer queijo.” Ela foi.


O arquiteto Fernando Costa Sousa abraçou o projeto da mulher e imergiu no universo queijeiro da Canastra. Ganharam o pingo e começaram a produção no embalo: testando, aprendendo, errando, conversando com produtores experientes. O terroir vulcânico, não sem muita pesquisa, vingou. A queijaria artesanal Pátio de Pedra nasceu para ser o único selo brasileiro que fabrica queijo de leite 100% da raça Caracu.


A coisa deu tão certo que os clientes iniciaram um desembarque intenso na Chiqueirão para adquirir o queijo cuja fama se espalhava rapidamente pela região. Café e pão de queijo entraram no cardápio da lojinha por clamores da freguesia, seduzida pela atmosfera rural do lugar.


Queijo curado, café coado e pão de queijo assado. Precisa mais? Elena, novamente iluminada pela cozinha da mãe e pelo tempero da existência, achou que sim, o menu poderia ser maior e melhor.


Tirando o pão de lenta fermentação da padaria Nita, tudo o que é servido no Pátio de Pedra é feito ali mesmo: bolos, doces, coalhada, geleias, quiches, pão de queijo etc. Uma combinação caseira e harmoniosa de aromas, cores, texturas e sabores.


Dessa forma, entre memórias afetivas, paladares ancestrais e a força das origens, Elena transportou o passado para o presente e fez da queijaria não apenas um comércio, mas um acolhedor refúgio onde o queijo descansa e as panelas borbulham, fermentadas por histórias, ternura e tradição.