—Cachê pra cozinhar?
—Sim.
—Mas você é chef, cobre pelos pratos, divulgue seu trabalho.
—Sou artista. Ninguém janta no meu estúdio, as pessoas interagem com a minha arte. Elas mastigam minhas divagações. Elas engolem minhas texturas. Elas são deleitadas com meu vezo poético-coentro.
—Poético-coentro?
—Uma gastronomia que versa sobre o lirismo das sobreposições harmônicas de aromas intensos e delicados.
—Você tá de brincadeira?
—Não, não brinco com isso.
—E quanto seria o seu cachê?
—Dez mil reais por seis horas. Vocês pagam os ingredientes e dois assistentes.
—Só isso?
—Não, tem mais. Também quero um fotógrafo exclusivo. Meu Instagram precisa ser alimentado com imagens assinadas e bem editadas.
—E a coisa do TNT?
—TNT Flavor Experience. É o ato número quatro da minha performance.
—Hmmm...
—O TNT Flavor Experience consiste em pequenos estampidos no salão enquanto os comensais apreciam mousse de cajá com risoto de cupuaçu e carne de bode. O cheiro de pólvora dos explosivos será anulado com spray de jatobá.
—Qual o propósito das bombinhas fedidas?
—Respeito, cara, respeito... minha obra traz embutido um conceito de impactar. As míni-dinamites transmitem a ideia de explosão de sabores. O jatobá com seu característico odor tem a proposta de incomodar.
—O cara vai pagar uma baita grana pra se sentir incomodado?
—Sim, também. Aí entra um pouco de sexualidade não convencional na experiência do espectador. O incômodo sentido é pra despertar inclinações sadomasoquistas.
—O cara sai de casa pra jantar, vai pagar uma puta bufunfa e vai querer descobrir tendências sadomasoquistas pensando num suculento filé com fritas?
—Sim, a riqueza da humana diversidade há sempre que ser contemplada em qualquer manifestação cultural.
—E o tofu? Vai ter tofu?
—Hã? Tofu?
—Nada, esquece, tofu rima com vai tomar... tofu, melhor dizendo, rima com coquetel de umbu...