Criança nos 70 e adolescente nos 80, destas épocas recordo-me de um Theatro que não era bem um teatro.
Na fachada o luminoso da Coca-Cola anunciava o botequim em letras imodestas. O velho bar que roubava espaço do foyer tinha lá suas tradições gastro-etílicas, mas destoava estética e conceitualmente de uma casa de espetáculos.
Minhas primeiras incursões por ali foram para beber conhecimento na Biblioteca Municipal. Sim, o prédio histórico também abrigou o conjunto de livros públicos deste torrão da Beloca. No térreo, goles mais mundanos nos puídos copos americanos do Bar Teatro. No pavimento superior, absorções mais literárias na Biblioteca Jaçanã Altair.
O sítio da AMITE conta que na década de 1930 o Theatro passou também a funcionar como cinema. E em razão dos filmes as nádegas deste inepto cronista repousaram pela primeira vez sobre as então poltronas nada confortáveis do Cine Theatro.
Naquelas programações especiais da semana da criança, o Theatro era invadido no mês de outubro por hordas de estudantes ávidos para a diversão com as projeções de películas açucaradas do tipo Lassie. A molecada delirava com as peripécias da cadela da raça collie.
Fora estes cartazes infanto-juvenis ocasionais, a agenda era permeada pela agilidade do Bruce Lee e congêneres em fitas B de kung-fu.
Vieram os 80’s e, aos montes, cinemas interioranos decadentes fecharam as portas. O Cine Theatro foi um deles.
No período, os púberes desta Sanja ocupavam diariamente o foyer do espaço. O motivo tinha pouco a ver com arte. O magnetismo que os atraía pra lá era viciante, colorido e barulhento: um fliperama mal ajambrado se aboletou por ali. O signatário destas linhas era um dos habitués nas maquininhas eletrônicas.
Uma providencial canetada do prefeito Nelson Nicolau, no seu primeiro mandato, declarando a utilidade pública do Theatro, deu início à recolocação do espaço nos trilhos da sua vocação cênica-musical.
O tombamento em 1987, a Fundação Oliveira Neto, a AMITE, a reforma, muita gente abnegada, muita briga em prol da cultura destas plagas macaúbicas. Uma sucessão de atos e fatos que ressuscitaram o Theatro para a arte.
Pano rápido. Salto no tempo para outubro de 2013.
Arteira, irrequieta, multifacetada, a confreira Maria Célia Marcondes roteiriza uma homenagem da Academia de Letras de São João da Boa Vista ao centenário do poetinha Vinicius de Moraes.
Exclamações e interrogações apoquentaram a cachola deste aparvalhado escriba, assombrado com o convite para, absurdo dos absurdos!, ser ele a encarnar no tablado um dos maiores nomes da cena poética e musical brasileira. Miseravelmente, caminhávamos para um desastre.
Vinte de outubro último, um pouco alto pelas doses do Red Label que aliviaram seus temores, o herege que vos fala, medíocre na arte dramática, ali sobre a piso sacro do palco do Theatro Municipal de São João da Boa Vista, representando Vinicius de Moraes, entre boquiaberto e perplexo, percebeu que sua performance iluminada tinha inequívocos sinais das bênçãos de Apolo.
3 comentários:
Maravilha, escriba. Lembro do meu avô Miguel, em seus últimos anos de vida, frequentando o Bar Teatro - muito próximo à casa dele. Parabéns pelo texto e pelo debut nas artes cênicas. Abraços pagúlicos!
Lauro, excelente seu texto. Perdem os leitores do O Município. Perderia a história da cidade, não fossem os novos meios de comunicação.
Infelizmente "Assim Caminha a Humanidade".
Beijo e obrigadda
MCélia
Adorei. Parabéns!
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