Das margens do rio Paraná para as águas do Jaguari. Alberto Enrique Umhof, argentino da cidade de Zárate, na província de Buenos Aires, escolheu o Brasil para ganhar a vida e criar seus filhos. Há algumas décadas no país, rodou um bocado pelo solo brasuca até ser seduzido pelos encantos deste torrão ao pé da Mantiqueira. No punhado de anos empreendendo em São João da Boa Vista, ganhou o reconhecimento da comunidade e desde 2010, “batizado” na Câmara Municipal, é cidadão sanjoanense.
Torcedor do Boca, o amigo aceitou o convite do blogueiro para um bate-bola abordando a rivalidade futebolística entre Brasil e Argentina, muito comentada e nos limites da fervura na última Copa do Mundo.
1- Por que essa reciprocidade turística e admiração mútua não se estende ao futebol, onde a rivalidade em alguns momentos beira a agressão verbal?
Não existe —ou não existia— do lado de lá animosidade pós-jogo e seria impensável torcer contra o Brasil na maioria das circunstâncias para qualquer argentino, admiradores que são do "país da alegria"; a coisa passa rapidamente —ou passava—, não sei mais. Os argentinos descobriram agora, horrorizados, esse ódio feroz do torcedor brasileiro, parte do ser brasileiro que passa despercebido, o "homem cordial" descrito pelo professor Sérgio Buarque de Holanda se esconde fundo quando de futebol se trata.
Resta agora, depois desta descoberta, aguardar a reação do lado de lá, mas me parece que existirá a partir desta Copa a recíproca platina. Veremos como fica daqui em diante a relação com os turistas. Nunca houve dúvidas na Argentina sobre quem é o melhor quando de futebol-arte se trata, e isso faz com que a vitória contra os brasileiros seja sempre uma alegria extra, e perder é considerado normal, afinal o Brasil é pentacampeão.
Encontro na diferença idiomática, quando o amigo cita uma suposta “agressão verbal”, a causa da confusão. Afinal, o português tem inúmeros fonemas a mais que o espanhol, e desde que Rui Barbosa voltou de Buenos Aires com a expressão "nos chamam de macaquitos" e a internet popularizou depois do caso Grafite [num jogo da Copa Libertadores em 2005, o argentino Desábato, do Quilmes, saiu preso do Morumbi depois de ter chamado o sãopaulino Grafite de macaco]. Vivi na Argentina até quase meus trinta anos e posso garantir que a palavra macaco jamais foi usada para depreciar os brasileiros.
2- Via mídia, Pelé e Maradona vivem trocando “gentilezas”. Você acha que a linha editorial dos jornais Olé e Lance brotou desta rivalidade entre os ídolos maiores dos dois países?
Não. Acho que a responsabilidade é inversa. Pelé e Maradona são marcas, produtos de marqueteiros a serviço da FIFA, e que, de alguma forma, escaparam do controle, seguramente mais Maradona que Pelé. Os dois tem bandos de seguidores que compram jornais, essa é a causa real das diferenças, vender jornais, dar audiência a programas de TV, criar factoides em geral. E os dois ganham rios de dinheiro com isso.
3- Neymar e Messi aparentemente são amigos, e já declararam torcer um pelo outro quando o confronto não envolver Brasil e Argentina. Esta postura menos bélica dos dois tende a atenuar a rivalidade ou pelo menos diminuir os exageros dos dois lados?
É um começo, depende de outros atores também. O indicador será a próxima Libertadores, inclusive hoje teremos uma amostra [essa resposta foi enviada na quarta-feira, 23/7, quando o Atlético Mineiro conquistou e Recopa Sul-Americana sobre o argentino Lanús, no Mineirão]. Galvão Bueno se aposentando ajudaria mais que a amizade destes dois guris [o locutor global é notório por botar lenha na rivalidade, repetindo à exaustão a célebre frase: “Ganhar é bom, ganhar da Argentina é muito melhor].
4- Como argentino radicado no Brasil há muitos anos, você em algum momento ou circunstância consegue torcer pela seleção brasileira?
Sempre que o rival não seja a Argentina, torço de coração pelo Brasil. Meus filhos são brasileiros.
5- Decime que se siente (diga-me o que sente) sobre o 7x1, o maior vexame na história do futebol brasileiro?
Sinto que está na hora de mudar conceitos no futebol brasileiro, principalmente na CBF e na TV Globo. O estado atual das coisas não está dando troféus e sim vergonha. Acho que foram sete porque Alemanha não quis machucar mais, até chego a imaginar alguma pressão no intervalo do jogo para isso acontecer. Foi mais doloroso o 0 x 3 contra a Holanda, porque confirmou a fragilidade de toda a estrutura. A recuperação será lenta e nada será como antes. Lamento muito o Barbosa [morto em 2000] não ter visto os dois últimos jogos do Brasil na Copa 2014. Teria sido libertador para o goleiro mais odiado do planeta.
Nota do blogueiro: o saudoso jornalista Armando Nogueira falando sobre Barbosa: “Certamente, a criatura mais injustiçada na história do futebol brasileiro. Era um goleiro magistral. Fazia milagres, desviando de mão trocada bolas envenenadas. O gol de Ghiggia, na final da Copa de 50, caiu-lhe como uma maldição. E quanto mais vejo o lance, mais o absolvo. Aquele jogo o Brasil perdeu na véspera”.
2 comentários:
LAURO: Muito interessante o diálogo de vocês. O argentino/sanjoanense tem opiniões que batem com as minhas. Como conterrâneo nota 10! Estou anexando artigo que escrevi sobre a Copa. Obrigado pela remessa. Abraço, JASSON
Esclarecedor bate-bola... mas não sei se acredito na índole "amiguinha" de los hermanos... Abraços baurúnicos ao escriba.
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