quinta-feira, 9 de junho de 2016

Telê


Por influência paterna, sou tricolor desde sempre. Hoje ainda vibro muito nos jogos decisivos, mas me considero um sãopaulino café-com-leite. Perdi o fanatismo da juventude.    

E a semente do fanatismo foi plantada em 1977, na decisão do Brasileiro disputada contra o Atlético Mineiro. O São Paulo papou o Galo sob o céu de BH. O Mineirão silenciou.     

Eu tinha 7 anos e, óbvio, não lembro lhufas do jogo. Lembro-me, sim, de flashes da decisão nas penalidades e da vibração de Waldir Peres com o erro do cobrador mineiro que deu o título ao São Paulo.   

E os anos 80 começaram bem. O bi paulista 80/81 foi de arrasar mares e selvas: assamos o Peixe e detonamos a Macaca. Serginho Chulapa era artilheiro e encrenqueiro. Fazer gols e arrumar confusão sempre foi a sina do Chulapa.

Em 1985 minha primeira decisão in loco no Morumbi. Inesquecível estar no “Murumba” com 100 mil pagantes. A final do Paulista foi contra a Lusa. Silas, Muller, Careca e Pita —os “Menudos do Cilinho”— dançaram o vira e levaram a taça num memorável 2x1. 

No Brasileiro do ano seguinte, 1986, o Tricolor era minha vida. Minha e do Nandão Goiaba, meu irmão e amigo que, na época, morava em Campinas. Se o jogo era domingo e o palco fosse o Morumbi, estávamos lá, não importando o adversário. Vimos desde clássicos até confrontos furrecas, como, por exemplo, contra o América do Rio. Tem que ser muito fanático para subir no Expressinho, pegar metrô e ônibus urbano para ver o São Paulo jogar contra o América do Rio.

       E a final do Brasileiro de 1986 —que, diga-se, foi jogada no início de 87 por uma destas estultices da cartolagem tupiniquim— contra o Bugre no Brinco de Ouro?

Jogaço!!! Eu e Nandão, no ápice da loucura, no meio da Independente. O Guarani fazia 2x1 na prorrogação quando, num lampejo de homem-gol, Careca empata no último minuto e leva a decisão para os penais. E dos pênaltis saiu o nosso segundo caneco brasileiro. Absolutamente inesquecível!     

Ainda levamos dois Paulistas —87 e 89— antes de findar a década.

E chegamos na era Telê, a década de 90, a mais vitoriosa em toda a história do São Paulo. Telê Santana aterrissou no São Paulo trazendo consigo a injusta pecha de pé-frio. A seleção brasileira de 1982, maravilhosa, mas derrotada, ainda era, na época, o céu e o inferno na vida do treinador.  

No Tricolor dos anos 1990, Telê armou um escrete que extasiava os tricolores e aterrorizava os adversários. O time de Zetti e Raí jogava limpo —Telê abominava botinadas—, para frente, numa busca incessante pelo gol.      

O técnico era disciplinador, rígido, mas sem nunca perder a humildade e o senso de justiça. Bem diferente dos estrelismos e arrogâncias destes tristes tempos de dungas e luxemburgos. 

Sob a batuta de mestre Telê, as Américas e o mundo ficaram pequenos diante de tanta glória. E por duas vezes —92 e 93— o futebol do globo foi obrigado a reverenciar Telê e os meninos do Morumbi. 

Este ex-fanático sãopaulino é hoje um cronista apatetado que tem poucas certezas na vida. Uma delas: Telê não só foi o melhor treinador da história do São Paulo, ele foi o melhor técnico do futebol brasileiro desde que Cabral aportou por estas terras. Vou mais longe, sem medo do exagero: Telê foi o maior técnico do futebol mundial em todos os tempos.      

E volto à arquibancada com o grito de guerra que até hoje é cantado nos estádios: 

—Olê, olê, olê, olê, Telê, Telê!!!      

Em tempo: No ano de 1993 o São Paulo conquistou a “SuperCopa” da Liberadores batendo o Mengão no Morumbi. Já era madrugada e uma dezena de crepusculares, no portão do “Murumba”, amaldiçoava os colegas retardatários que não chegavam e atrasavam o retorno a Sanja. Eis que o portão se abre e surge a lenda, trajando sua inconfundível polo vermelha, caminhando tranquilamente até o estacionamento do estádio. Frisson e emoção. Solícito, ele atende a todos os pedidos de autógrafo. Recordo-me daquela noite e choro por dois motivos: não beijei a testa do mestre e deixei que a máquina de lavar roupa apagasse a assinatura histórica na minha camisa.


       *Texto lavrado e blogado em 12 de abril de 2006.


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