quarta-feira, 10 de maio de 2017

Infeliz


—Sarou?
—Quase.
—Tá bonito, elegante, meio pálido…
—Pois é.
—Emagreceu quanto?
—Mais de dez quilos.
—Que bom. Tá feliz?
—...
—Nem precisa responder, é claro que você tá feliz. Estar mais saudável significa estar mais feliz. Parabéns!
—...

Então, pela ótica do meu interlocutor, vamos falar de infelicidade. Da mais soturna infelicidade.

João Pereira Coutinho é um escritor português que assina coluna semanal na Folha de S. Paulo. Nascido no Porto, ele vive em Lisboa há mais de quinze anos. Em 2014, Coutinho, bom de letra e de garfo, elencou na Folha seus dez restaurantes preferidos na capital lusitana. À época, li e guardei o precioso rol.

Desembarquei em Lisboa, pela primeira vez, no último 4 de março. Nesta mesma noite, cansado da viagem transoceânica, pedi ao recepcionista do hotel indicação de um restaurante nas proximidades, cuja distância pudesse ser vencida caminhando. Colina foi a dica. 

O lugar simples, encravado numa área residencial, estava apinhado de comensais lisboetas. Bom sinal. 

Fugi do óbvio bacalhau e elegi para o meu jantar a recomendação do nada simpático garçom: arroz de gambas. Comuníssimo nas mesas portuguesas, gambas são frutos-do-mar similares ao camarão, pescados em águas profundas do Atlântico e do Mediterrâneo.

O prato simples, que não tem a cremosidade de um risoto, foi a melhor refeição nas minhas inesquecíveis duas semanas em Portugal. Gambas firmes, ponto perfeito de cocção, arroz úmido, al dente, cozido no caldo do próprio crustáceo e de mexilhões. O doce de ovos com amêndoas, malcriado de tão bom, arrematou com virtude o notável repasto.

No regresso ao hotel fui consultar a lista dos top 10 de João Pereira Coutinho. O Colina, salve!, encabeça a relação.

Vai daí que que essa verdade é inescapável: o escriba, signatário deste texto, é um sujeito condenado à infelicidade eterna.

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