quarta-feira, 22 de maio de 2024

Youssef e Linh


Filhos de imigrantes, Youssef e Linh trabalham no mesmo edifício de escritórios na rua Vodičkova. Nunca conversaram, o contato é só visual durante o café. Eventualmente se encontram no almoço na barraca de kebab da rua Štěpánská. Um balançar tímido de cabeça é o cumprimento entre eles. Gentil aceno, mas frio e distante.

Youssef começou a desenvolver sentimentos recônditos por Linh. Boca seca e batimentos acelerados ele começou a ter quando a via tomando cappuccino. Ela só toma cappuccino. Ele também.

Na noite gelada da última sexta, Youssef fez planos para se declarar e não mais passar fins de semana sozinho, lendo poesia às margens do Moldava.

Depois do expediente, ele a surpreendeu com um bouquet de tulipas rosas na estação Národní Třída. Linh gostou, claro, mas ela nada sente por ele. Pra ela, a saudação diária é meramente protocolar. Pra ele, era flerte.

Linh abraçou forte o ramalhete, talvez para inibir o abraço do pretendente, sinalizando que ali não havia espaço para outros abraços.

Youssef falou muito, ela só ouvia, constrangida, agarrada às flores, olhos ao longe. Ele avançou, arriscou um beijo. Linh virou o rosto, deu um passo atrás. O homem respeitou, disse que não ia insistir ainda que seu coração dissesse o contrário.

Ela reconheceu o cavalheirismo de Youssef e aceitou um beijo de despedida na face. Sem olhar pra trás, Linh subiu no bonde 22 rumo à parada Jana Masaryka. No coletivo, ainda enlaçada às tulipas, ela pensava em como explicar as lindas flores à namorada Kateřina.

((A cena, por mim testemunhada e furtivamente fotografada, inspirou a ficção cheia de temperos reais. A crônica foi escrita num trem entre Praga e Viena.))

Nenhum comentário: