domingo, 3 de agosto de 2025

Fermento de memória, casca de tempo, miolo de tradição


A cidade muda, a rua muda, gerações vêm e vão, mas alguns pontos comerciais permanecem como faróis de memória. Um deles fica no Centro de Poços de Caldas e leva um nome que, mais que comercial, soa quase como promessa: Nosso Pão.


Era uma tarde recente de inverno quando me dei conta de que nunca havia entrado ali, embora soubesse de sua existência desde sempre. A repaginada no cenário me fisgou pela estética, mas quem me conhece sabe: o que me faz pegar a estrada é a chance de conhecer histórias que alimentam — e não só o estômago.


A padaria foi fundada em 1968 por Edgar e Gioconda, casal de anfitriões natos, amantes do pão e do bem-receber. Em 1983, o sobrinho Marcus e sua esposa Vanusa assumiram o negócio, inicialmente com a ajuda do tio, depois com as próprias mãos — e sem qualquer formação prévia no ramo. Experiência, no caso deles, veio na esteira da persistência.


Quarenta anos depois, Marcus e Vanusa ganharam o reforço da filha Gabriela, que voltou ao torrão natal após oito anos fora do país. Ao regressar à caldeira do vulcão, como ela mesma diz, não veio a passeio: veio de mangas arregaçadas, entusiasmada, para fazer parte da administração e trazer novo fôlego à jornada da família Delarolli.



A sede atual, fincada no mesmo endereço onde tudo começou, passou, dois meses atrás, por uma reforma completa — e surpreendentemente breve: foram apenas vinte dias de portas fechadas. Uma rapidez quase inacreditável para a transformação realizada, que soube honrar os legados ao mesmo tempo em que permitia o encontro com o novo.


O projeto — assinado pela profissional Julia Niccioli, ganhou forma pelo engenheiro Pedro Ferreira — trouxe novos ares sem romper com o passado. O piso, agora em cerâmica rústica, acolhe desde a entrada. As mesas e cadeiras em madeira aquecem o olhar e convidam à permanência. O resultado é um ambiente bonito, funcional e elegante — uma padaria com alma de café, renovada para melhor conforto visual, sem abrir mão da memória afetiva.


As vitrines ganharam luz, o atendimento passou a ser feito também nas mesas, com mais gentileza e pessoalidade. A sensação é a de entrar num café europeu que harmoniza com o DNA do interior de Minas Gerais.


Mas a grande surpresa — ao menos para os desavisados, eu no mesmo rol — é que pouca coisa mudou na essência. Os pães de fermentação natural, por exemplo, são feitos há mais de uma década. Os doces finos, que parecem recém-chegados de alguma pâtisserie parisiense, já faziam parte da carta. A verdade é que o novo espaço apenas deu visibilidade ao que sempre esteve ali: qualidade artesanal e respeito ao ingrediente.



A farinha usada vem da França, e não por capricho. É que por lá o controle sobre a produção agrícola é rígido, o que garante um trigo puro, sem aditivos ou conservantes. O resultado aparece no pão: leve, de casca crocante e miolo macio, com sabor marcante. O ciabatta tradicional é campeão de pedidos. Mas há também o rústico italiano, e o espelta com laranja e castanhas, que tem feito sucesso entre os mais atentos aos sabores menos óbvios.


Na confeitaria, voltaram com força os clássicos: mil-folhas, tortinhas de morango e pistache, éclair. Tudo executado com um toque contemporâneo, fruto de cursos, saberes compartilhados e vontade de surpreender. E os sanduíches — especialmente os servidos no próprio ciabatta ou na focaccia — viraram motivo de peregrinação. Tem sempre alguém esperando pelo croque monsieur (ou madame), servido quente, com queijo derretido e um gratinado de responsa.


Desde a revitalização, a padoca virou também ponto de encontro. Moradores, turistas, amigos que marcam ali o café da tarde e saem levando quitutes na sacola e fermento no coração. Alguns até dizem que a Nosso Pão virou a nova atração turística de Poços.


Mas mais do que um ponto no mapa gastronômico da cidade vulcânica, o que encontrei ali foi o calor da tradição que se reinventa sem perder a origem. Um lugar onde o pão é, de fato, nosso. Feito por mãos que entendem que o comer bem só acontece depois da dura labuta, do cuidado, da pesquisa e do aprimoramento constante. E do fazer com paixão!

Padaria Nosso Pão

Rua Junqueiras, 579

Poços de Caldas, MG

Todos os dias, das 6h30 às 20h
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