Nem sempre a inspiração para lavrar vem em porções
abundantes como nas linhas que seguem. Nem sempre o estímulo para a escrita
brota da mistura de amizades da escola primária com comida que restaura e
encanta. Nem sempre o lampejo para as letras salta da brava trajetória de um
casal imigrante. Nem sempre...
Oliva Arias Garcia de Misa, a dona Bibi, esbanjando
vigor e lucidez aos 88 anos essa espanhola de El Barco de Valdeorras, na
Galícia.
Com o marido, Carlos
Misa Gonzalez, que veio um pouco antes, e dois infantes, ela buscou nestes
trópicos além-mar oportunidades de vida melhores do que na combalida Europa do
pós-guerra nos idos da década de 1950.
A localização
desta província de majestosos crepúsculos era interessante para o trabalho do
marido, um itinerante vendedor de autopeças. Aqui dona Bibi fixou morada e
criou os quatro rebentos, os dois que vieram da Espanha —Maria Soledad e Carlos
Manuel— e mais dois nascidos às margens do Jaguari —Marcos Antônio e Luís
Fernando.
O caçula do
quarteto é o Gun, carinhoso apelido de família de Luís Fernando Misa Arias,
amigo deste escriba desde o saudoso Joaquim José dos dançantes anos 70.
Diplomado
arquiteto em Alfenas, Gun trouxe das Gerais alguns queijos, o canudo e a
franco-mineira Tamara Moreira Swerts, uma paixão universitária que rendeu um
casamento e o descendente Caetano, hoje com 12.
g |
O guloso escriba, dona Bibi e Gun: noite espanhola na Benedito Araújo |
Nas reuniões familiares, sangria, jamón e afins, dona
Bibi evocava as origens ibéricas através da mesa. Em mesa de clã espanhol, olé!,
a paella agrada, aglutina e reina.
Gun, 46,
influenciado por uma vida de generosas e aromáticas caçarolas maternas, decidiu
cozinhar paellas como ofício. A prancheta não foi abandonada, mas a gastronomia
das suas raízes absorve cada vez mais tempo, energia e dedicação.
Há poucos meses
funcionando, abriu as portas em dezembro, a Divina Paella opera só no delivery
e serve em Sanja essa maravilha culinária de Valência que tem fãs espalhados
por todo o planeta.
Em tempo: se a valenciana pela tradição encabeça o
cardápio, paladares ecléticos também têm vez com a mariñera e a caçador.
Em tempo 2: noite destas, tivemos, eu e Josi, o
privilégio de provar a soberba paella do Gun, temperada com a gentileza e com
as curiosas histórias dessa galeguinha simpática, dona Bibi.
Em tempo 3: Gun não é o primeiro herdeiro de dona Bibi
a labutar para o bem comer. Marcos, o filho número três, é o exitoso
empreendedor da Kuka Fresca, a rotisseria mais longeva da cidade, mercadejando
consistentes sabores desde 1990.
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