1984 era o ano, ou por aí. O dia, um sábado. A Folha, que sempre amanheceu à porta de casa, trazia na capa um anúncio em cores, coisa rara à época. A promessa era de tragadas mentoladas e fumaça refrescante, enfim uma espécie de drops moído enrolado num canudinho de papel.
Até então o adolescente da Tereziano nunca tinha tido vontade de fumar. A novidade e a propaganda de impacto empurraram-me a um famoso bar na Dona Gertrudes onde, sem maiores dificuldades, comprei o maço de embalagem verde. Sem traquejo em atos ilícitos, disse ao sujeito do caixa: “é pro meu tio”. A justificativa foi desnecessária. Naquele tempo eu teria comprado cigarros mesmo se dissesse que eram para o meu irmão de oito anos.
Ricardo Paiva, amigo inseparável, aceitou ser meu comparsa na delinquência. Como era habitual, caminhamos pela linha do trem rumo à Esportiva. Ali, nos trilhos, acendemos aquela expectativa de baforadas sabor Halls. Fizemos cena imitando aqueles gestos elegantes de fumantes de comerciais de TV. O gosto ruim na boca e a violenta tosse seca que nos acometeu foram estraga-prazeres naquela tarde que prenunciava ser gloriosamente transgressora.
Desiludidos nicotinicamente, a refrescância que o cigarro não proporcionou veio na piscina olímpica do clube.
Parênteses importantes. A monumental piscina da Esportiva nunca teve sistema de aquecimento, logo ele nunca, nem nos mais insanos devaneios, precisou ser desligado. Fecha parênteses.
Antes de pegar a trilha férrea de volta, um dilema no vestiário do clube: o que fazer com o maço aberto e dezoito cigarros intactos? Eu, só eu —absolvo Ricardo da idiotice— decidi enfiá-lo aleatoriamente numa daquelas sacolinhas de lona numeradas em que os associados guardavam seus pertences.
Anos à frente, quando ficou evidente a porcaria maléfica que é fumar, tive pontadas de remorso matutando a possibilidade de ter sido eu o responsável pelo vício de uma pessoa desconhecida que só queria lazer saudável num sábado ensolarado de verão.
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