Há paragens que parecem sobreviver ao fluxo inevitável dos ciclos, como se tivessem firmado um pacto silencioso com a eternidade. São refúgios onde o passado ainda conversa com o presente. Ali, entre prateleiras antigas e paredes descascadas sobre o piso vermelhão, a rusticidade abraça gerações e histórias. É mais do que um ponto de venda, é um altar da despretensão em que cantos e objetos contam trajetórias de labor, encontros e resiliência.
Em tempos idos, aquele pedaço fértil de chão era conhecido como Lagoa Formosa. Hoje, com a monocultura da cana, diz-se dos mesmos arredores: “lá perto da usina; nas proximidades da Abengoa”. Na mencionada região, mais precisamente no Sítio Canta Galo, a Venda do Tião Rehder é um centenário comércio que abastecia os colonos das fazendas vizinhas. Tião Rehder não mais está neste plano, tampouco há colonos nas imediações, mas o velho prédio do lendário armazém de secos e molhados continua lá, resistindo. Aventureiros de toda sorte já tocaram o empório.
Hoje, sem aventuras, a bodega rural é gerida pelo casal Alana e João. Ela, trabalhou em restaurantes de São João; ele, agricultor e meeiro, cultiva quiabo nas roças que cercam o estabelecimento.
No meio daquela vastidão agrária, a Venda Canta Galo ainda oferta aqueles clássicos itens de mercearia, mas o negócio ganhou um tempero de botequim raiz. Alana carregou das cozinhas onde labutou ideias para incrementar o balcão. A poeira na garganta é lavada com Brahma gelada. Acepipes deliciosos, lindamente apresentados, matam a fome de uma freguesia eclética: médicos avançam sem piedade no lambari frito, lavradores atacam a língua com molho de tomate, empresários se lambuzam com frango a passarinho, motociclistas de fim de semana aceleram fundo sobre a travessa de dobradinha e operários se fartam com moelas.
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