domingo, 5 de dezembro de 2021

A TV e a vida real

 

Marty, personagem de uma série fantástica (O psiquiatra ao lado), fez num dos episódios um churrasco em sua casa de praia em Hamptons. Eu e Josi adoramos o design dos espetinhos servidos e, creiam!, fotografamos a iguaria na TV. Imagem capturada, imagem enviada ao Matheus do açougue Sinhá Perpétuo que, viva!, com a competência habitual reproduziu com miolo de alcatra, tomate, cebola e pimentão amarelo o colorido kebab do seriado.

🔪 🥩 ❤️ 

E por falar no Sinhá, adoro histórias de família cujas gerações seguintes continuam honrando o ofício do patriarca. No caso, seu Dito abriu seu primeiro açougue na rua Campos Salles em 1954. Posteriormente, ficou por décadas estabelecido na rua General Osório. Nos anos 1990, já trabalhando com os filhos Zé Roberto e Ricardo, seu Dito abriu as portas do seu comércio de carnes na Dom Pedro II. Pouco tempo depois, com o falecimento do pioneiro, os filhos assumiram o negócio, modernizaram as instalações e deram significado às facas herdadas. Ricardo, meu amigo e caçula do seu Dito, morreu precoce e recentemente. Foi o mais gentil e habilidoso açougueiro que eu conheci. Foi, sobretudo, um excepcional ser humano. Zé Roberto, operando há quase vinte anos no Perpétuo, fez com os dois rebentos o mesmo que recebeu do pai. Trabalho em açougue é pesado, sem folga e a jornada diária é longa. Mas Matheus e Guilherme estão firmes, abraçando com força o legado açougueiro de quase 70 anos do clã Castro. Se churrasco for permitido nos jardins celestiais, é de lá, com carne na brasa e cerveja, que seu Dito e Ricardo sorriem orgulhosos dos meninos que não vão deixar jamais a marca Sinhá perecer.


sábado, 4 de dezembro de 2021

Recomeços


 Tenho certo apego a alguns objetos que me ligam a momentos marcantes, seja uma viagem inesquecível, seja um passeio domingueiro na natureza. Meu clássico Ray-Ban Wayfarer esteve comigo em jornadas célebres nos últimos anos. Da encalorada e latina Cancun, passando pela histórica e sinuosa Ouro Preto, até o gelado e cinematográfico pico Jungfraujoch na Suíça.

Dia destes, num turbulento périplo à Bahia, Netuno e Iemanjá tiveram rusgas em outras dimensões e descontaram seus “pobrema” no dono do Ray-Ban Wayfarer acima cantado em prosa e verso. Uma onda impiedosa levou pra sempre meus óculos de estima às profundezas oceânicas.

Chororô fiquei. Chororô estava até uma mensagem de zap com inacreditáveis ofertas da Ótica DiVeneza de Poços. Abri meu coração doído e meus olhos desprotegidos ao Renato, que foi generoso com este então sem-Ray-Ban. “Lauro, venha a Poços que vamos fazer um negócio bom pra você. Vamos curar essa dor afetivo-ótica”.

Conhecedor que sou do extremo profissionalismo e do baita atendimento do time DiVeneza, fiquei mais fã ainda do trabalho deles, que mescla excelência técnica, sensibilidade estética e uma incansável obsessão em satisfazer.

Desnecessário dizer o que a foto escancara. Sou novamente o feliz proprietário de um Ray-Ban, com o qual espero viver e reviver novos e velhos percursos. A nova era começou agorinha, na calçada da rua Prefeito Chagas, no Centro de Poços de Caldas. 



sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A foto crocante


 Convidado fomos, eu e Josi, para o almoço em homenagem ao escritor Ricardo Ramos Filho. A casa no morro em Águas da Prata, ampla, arejada, ajardinada, remete a um passado glorioso da estância dos anos 1970. Família anfitriã brinca e fala muito à mesa grande de uma cozinha idem. Panelas fartas, copos cheios, prosa solta. Tudo acolhe.

Sobre o fogão, a leitoa inteira, pururucada, soberana, aguardando o ataque furioso dos escritores famintos. Meu instinto mandava sacar o celular e capturar a imagem daquela lindeza suína antes do apocalipse da gula deixar só restos de farofa na fôrma. Hesitei constrangido, temendo ser invasivo, indiscreto.

Ricardo Ramos, neto de Graciliano, o cara que motivou o encontro cometeu rápido a contravenção que eu planejara. Ele registrou em múltiplos cliques o finado porquinho, sem pudor.

Perdi a vergonha, ora pois, e deixei minha compulsão gastrônomo-fotográfica guiar-me. Se o neto do Graciliano pode, por que o neto do professor Augusto Bittencourt não poderia?


domingo, 10 de outubro de 2021

O gordo e o guarda


Águas da Prata, última quinta-feira, 21:45.

Depois de mais um repasto memorável no HaoChi, na volta pra casa o policial militar sinaliza para este roliço escriba encostar o carro. O agente da lei, gentil, pede habilitação e documento do veículo e se afasta para registrar a abordagem. Felizmente, ainda, excessos calóricos não configuram infração de trânsito. Ele devolve o recolhido e se despede:


—Senhor Lauro, tudo certo, pode seguir viagem. Acompanho e gosto muito das suas postagens gastronômicas. Agora mesmo estava vendo um filé que o senhor postou.


Ao atencioso policial meu seguidor nas mídias, confesso mais um “crime” cometido na mesa do HaoChi. Fartei-me com uma iguaria coreana de nome impronunciável: JAJANGMYEON. Macarrão frito, tiras de carne bovina, moyashi, champignon, molho especial da casa, gergelim e pasta de feijão preto. Este último ingrediente, quando lido no cardápio, pode assustar. Creiam e não temam o risco, o espanto é positivo, o prato é irretocável.



Vinícola Casa Verrone

A vinícola Casa Verrone é um baita exemplo de sucesso que mescla paixão, ousadia, sensibilidade comercial e extremo bom gosto. Na visita guiada nos finais de semana e feriados, você colhe o fascínio do mundo do vinho e a história da fantástica trajetória empreendedora de Márcio Verrone, tudo isso permeado por taças e tapas de degustação e informação. O grand finale é o almoço do chef Maurício Feltran, cujo menu varia mensalmente. Ah!, jantares temáticos também são habituais nesse singular espaço minuciosamente pensado para ver, sentir e se deleitar.


🍷🍷🍷

Mais informações:

WhatsApp (19) 99392-2921


Instagram da Casa Verrone


Um pouco da história da Casa Verrone



domingo, 7 de março de 2021

Verme & vermes

Um sábado de fim de verão carente de poesia pelo cinza que ameaça no céu, pela reclusão prudente e pelo medo do vírus letal. Busco alento na leitura e nas películas da sempre salvadora Netflix. A feijoada, presente de um cozinheiro amigo, proporciona um fugaz e gordo prazer no meio de tanta aflição.


Pensamentos recorrentes vêm e vão, inafastáveis, sem cor. Do vírus, já devidamente esquadrinhado pela Ciência, sabemos à exaustão o quão essenciais são as vacinas e o cotidiano preventivo para combatê-lo. Façamos o que nos cabe e gritemos sem pudor para que consigamos o que compete ao Verme, ops, ao governo. 


O verme, naquele sentido de priscas eras, é causador de barrigas inchadas, de desconfortos abdominais e de apetites insaciáveis. 


Hoje, o Verme, numa versão piorada e desumana, mata por negar a gravidade do vírus, por causar retrocessos medievais e por disseminar comportamentos irresponsáveis. 


E o mais triste é que 30% dos nossos gostam dos efeitos decorrentes da ação do Verme e boicotam a prescrição vital de vermífugos institucionais. Esse um terço de brasileiros é resistente à claridade dos fatos, à verdade dos números e à Ciência. A marcha, em todos os sentidos, toca e avança em notas e formação fúnebres enquanto o Verme gargalha e arrota satisfeito com seus recordes macabros. 


A noite avança e a sobra da feijoada do almoço chama-me à mesa anunciando um invencível verme —uma lombriga— e um cerrar de dia menos melancólico. 


No fim, quero crer, as flores da vida hão de se destacar sobre o plúmbeo do obscurantismo.