segunda-feira, 15 de maio de 2017

Alcôa - doçaria conventual

A doçaria conventual recebe esse nome por ter sido criada nos conventos, onde os trajes dos religiosos eram engomados com clara de ovo. 

Os doces da doçaria conventual, que têm fartura de gema —que sobrava aos montes nas clausuras— e açúcar, e quase nada de farinha, são típicos da culinária portuguesa. Eles são onipresentes nas esquinas calóricas das urbes lusitanas. Estupidez! Absoluta estupidez!

Alcôa —nada a ver com a riqueza do alumínio, tudo a ver com outras riquezas— é uma fantástica porta-bandeira da doçaria conventual, estabelecida na Rua Garret, no lisboeta bairro do Chiado.

Dia destes, no meio da tarde, fui estapeado pelos bárbaros doces do lugar. A vitrine ofende de tantos atrativos que vão muito além dos incríveis pastéis de nata.

As duas pesadas ofensas:

1. Torrão Real: gemas, nata, canela e amêndoas, uma coisa linda e estúpida que me fez surtar, mas que eu não tenho a mínima ideia do como fazer.

2. Cornucópia: a massa exterior, tipo canudinho, é muito fina, estaladiça como dizem os portugueses, frita em azeite e recheada com doce de ovos feito em tacho de cobre.

ÓmeuDeus, faizfavoire, deixa de ser estúpido!



Francesinha

Vá ao Porto para conhecer a Francesinha; mais do que isso: coma a Francesinha.

Eu conheci, comi e vou comer mais vezes.

Um português, que teria vivido alguns anos na França, retornou ao torrão natal trazendo o gosto pelo croque monsieur e dizendo algo do tipo: "as francesas são as mulheres mais picantes que conheço". Deste caldo de desejos dele teria nascido a Francesinha, no Porto.

A Francesinha tem a forma de um sanduíche em camadas no qual as fatias de pão português são recheadas com linguiça, presunto, carnes frias e bife de carne de vaca ou, como alternativa, lombo de porco assado e fatiado, coberta com queijo derretido. É guarnecida com um molho condimentado à base de tomate, cerveja e piri-piri. O ovo estrelado vai sobre o sanduba e batatas fritas acompanham.

Gente, isso é bom um tanto!

Em tempo: na Regaleira, reza a história, foi criada a Francesinha. E lá fui eu, me regalar na Regaleira.

quarta-feira, 10 de maio de 2017

Infeliz


—Sarou?
—Quase.
—Tá bonito, elegante, meio pálido…
—Pois é.
—Emagreceu quanto?
—Mais de dez quilos.
—Que bom. Tá feliz?
—...
—Nem precisa responder, é claro que você tá feliz. Estar mais saudável significa estar mais feliz. Parabéns!
—...

Então, pela ótica do meu interlocutor, vamos falar de infelicidade. Da mais soturna infelicidade.

João Pereira Coutinho é um escritor português que assina coluna semanal na Folha de S. Paulo. Nascido no Porto, ele vive em Lisboa há mais de quinze anos. Em 2014, Coutinho, bom de letra e de garfo, elencou na Folha seus dez restaurantes preferidos na capital lusitana. À época, li e guardei o precioso rol.

Desembarquei em Lisboa, pela primeira vez, no último 4 de março. Nesta mesma noite, cansado da viagem transoceânica, pedi ao recepcionista do hotel indicação de um restaurante nas proximidades, cuja distância pudesse ser vencida caminhando. Colina foi a dica. 

O lugar simples, encravado numa área residencial, estava apinhado de comensais lisboetas. Bom sinal. 

Fugi do óbvio bacalhau e elegi para o meu jantar a recomendação do nada simpático garçom: arroz de gambas. Comuníssimo nas mesas portuguesas, gambas são frutos-do-mar similares ao camarão, pescados em águas profundas do Atlântico e do Mediterrâneo.

O prato simples, que não tem a cremosidade de um risoto, foi a melhor refeição nas minhas inesquecíveis duas semanas em Portugal. Gambas firmes, ponto perfeito de cocção, arroz úmido, al dente, cozido no caldo do próprio crustáceo e de mexilhões. O doce de ovos com amêndoas, malcriado de tão bom, arrematou com virtude o notável repasto.

No regresso ao hotel fui consultar a lista dos top 10 de João Pereira Coutinho. O Colina, salve!, encabeça a relação.

Vai daí que que essa verdade é inescapável: o escriba, signatário deste texto, é um sujeito condenado à infelicidade eterna.

terça-feira, 9 de maio de 2017

Vai tomar no cume!

A Torre. O ponto mais alto de Portugal Continental, na região da famosa e queijeira Serra da Estrela.

Da pousada em Linhares da Beira dirijo devagar por veredas sinuosas e bem conservadas até o cume, que fica numa altitude de 1.993m.

Há neve no pico e a temperatura de 0º não significa nada pois o vento impiedoso tortura com uma sensação térmica de -20º ou coisa pior.

Só sai do carro quem tem forças para empurrar a porta contra a ira da ventania gelada.

Josi queria fotos e mais fotos, saltitando com a desenvoltura de um esquimó sob um dos frios mais estúpidos que já senti. Minha cansada carcaça sofreu.

PUTA QUE PARIU! Bradei ali esse clássico libertador umas vinte vezes.

Petrificado, perto de perder os dedos, renunciei à sessão de retratos naquele inóspito ambiente e, abrigado numa lojinha de guloseimas, devorei com selvagens instintos um monumental sanduba de presunto cru e queijo de ovelha.