quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Botecando

radios

Quentura do cão pra não ver a rua nesta noite de primavera nascendo. Sair de casa é um eufemismo maroto pra comer e beber. Bora lá, véio!

Tem #SãoJoãoDaBoaMesa rolando. Tem boa cena de rango nas perifas de Sanja. Tem sanduba do melhor no circuito off-mauricinho. Há vida interessante muito além do mundinho Dona Gertrudes-Mantiqueira.

Paraki Lanchonete é o lugar eleito por este boquirroto glutão. Ali no Jardim Industrial, bordeando com o Durval Nicolau, de um lado, e com o Recanto do Jaguari, de outro.

Bar e/ou lancheteria que quer respeito cá no torrão da Beloca tem que botar bauru de lombo no cardápio. Não sabe fazer bauru? Ok, sem problema, sua praia é outra. Que tal abrir uma sorveteria?

Luiz Carlos Missassi Rivera, o Paraki Boss —ou Luizinho do Durva—, é digno de reverência por servir no seu estabelecimento o acepipe ícone das chapas crepusculares. Recebe, também, admiração pela ousadia nas releituras do sanduba. O bauru de lombo abre o pão para visitas inusitadas em conserva: abobrinha ou berinjela.

Bauru de lombo com abobrinha?! Yes, man, so good!
Berinja também na área? Of course, brother!

Ele ainda tem a pachorra de deixar nas mesas o clássico molho norte-americano de pimenta caiena: Frank’s Red Hot.

E pra acompanhar? Paredes revestidas com antiguidades. Quinquilharias nas prateleiras jogando charme aos comensais. Câmeras, eletrodomésticos, telefones, bugigangas e muitos, muuuitos —e lindos— robustos rádios de antanho.

Digno bauru, cerveja trincando, atendimento casual, objetos de valor histórico e de lambuja a skyline do centro da cidade.

Vou chamar de novo, vou intimar: bora lá, véio!

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Estrambólicas

ovo cozido

Glória ouviu que praticar sexo por seis anos, dois meses, três dias, oito horas e quarenta e sete minutos, produz o calor necessário para cozinhar um ovo. Glória gosta de sexo e ovo cozido, mas, faminta e cansada, ela preferiu usar o velho fogão mesmo.
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    Waltrudes afirma que o cérebro humano tem a mesma consistência que o tofu. Pessimista, ele tem certeza que, em alguns, o conteúdo também é igual.
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    Ademir descobriu que um raio contém energia suficiente para fatiar cento e vinte mil cenouras. Ele não gosta de cenouras e acha que quem as come muito fica com uma cara alaranjada. Ademir já padeceu de hepatite e tem trauma de amarelão na bochecha.
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    Fabíola leu que as mulheres gastam, em média, duzentos e doze dias de vida depilando as axilas. Ela não se importa com isso, mas muito se chateia com a conclusão de que torra o mesmo tempo raspando o buço. Fabíola não quis responder se descende de portugueses.
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    Eduardo sabe que marsúpio é o nome daquela bolsa abdominal da mamãe canguru. Ele desconfia que a Louis Vuitton da vizinha do terceiro andar é usada para traficar recém-nascidos, sendo, portanto, um marsúpio do demônio.
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    Aline pesquisou que sete pulôveres poderiam ser confeccionados com os pelos do corpo do Tony Ramos. Ela adora novela, suéteres coloridos e só compra carne Friboi. Aline é dona de uma malharia em Jacutinga.
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    Padre Altair diz que o fruto bíblico proibido não é a maçã. Ele já foi missionário no sertão da Paraíba e conta que viu muito casamento desfeito por causa da graviola. Padre Altair quase pendurou a batina quando experimentou graviola.
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    Giuseppe foi informado que em São Paulo são consumidos diariamente cem hectares de pizza. Ele é fã do Luís Fernando Veríssimo e concorda com o escritor ao tachar a pizza como “uma contravenção culinária”. Giuseppe pensa que hectare combina mais com capim.
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    Ricardo nunca conseguiu lamber o próprio cotovelo. Ele é movido por desafios e matriculou-se numa escola de circo. Há dois anos cursando, Ricardo já pilota no globo da morte e faz incríveis acrobacias, mas, por enquanto, só encosta a língua nos lábios da gostosa bailarina espanhola.
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    Amir aprendeu que os chimpanzés do norte do Congo são canhotos. Ele também é canhoto. Amir está juntando dinheiro para viajar ao Congo, mas ainda não tem a mínima ideia do que vai fazer lá.
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    Tereza dá como certo que cronistas gorduchos sofrem de parvoíce aguda. Ela nunca conheceu um que fosse mentalmente equilibrado. Tereza é piedosa com insanidades alheias.
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    O cronista gorducho encontrou um propósito para sua insignificante existência: lamber o próprio cotovelo no norte do Congo.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Disposições

“(...)Joaquim Levy, ministro da Fazenda, diz ter ‘certeza de que todo mundo está disposto’ a pagar ‘um pouquinho de imposto para o Brasil ser reconhecido como um país forte’.(...)”

Acabei de ler a notícia acima num sítio jornalístico. Fiquei estupefato e curioso. E disposto.

Homem culto, preparado, Levy é o cara que também entende das profundezas da alma do cidadão. Humanas disposições, penso eu, não são estados de espírito tão óbvios.

A declaração ministerial tirou-me da sonolência patológica e, cheio de disposição —a foto não me deixa mentir—, saí a pesquisar algumas inclinações surpreendentes do bicho homem.

Compartilho o resultado dessa busca com o leitorado.
   
    ++ Pela sustentabilidade do planeta, todo mundo está disposto a renunciar ao uso das abomináveis geladeiras. A carne será conservada numa lata de banha, legumes e frutas só serão consumidos frescos e bebidas sorvidas apenas na temperatura ambiente.

    ++ Pela preservação da harmonia conjugal, as esposas estão dispostas a abdicar de alguns valores demasiadamente femininos: 1) toalha molhada poderá repousar sobre a cama; 2) DRs não mais ocorrerão no horário do futebol na TV; 3) lugar de roupa suja será no chão do banheiro; 4) dor de cabeça não poderá ser usada como desculpa para nada.

    ++ Pela saúde, pela necessária dieta e pela alegria das mulheres, os homens estão dispostos a abrir mão de alguns prazeres mundanos: fora picanha e cerveja, viva o peito de frango com suco detox; futebol domingueiro 0 x 10 almoço na casa da sogra; passear entre as araras da C&A, da Renner, da Marisa e da Riachuelo, ufa!, será um ótimo entretenimento para as tardes de sábado.

    ++ Pelo respeito aos cofres públicos, políticos estão dispostos a recusar salários, verbas de representação, carro oficial e boquinhas para familiares.

    ++ Pelo sacrifício pessoal, mineiros estão dispostos a abolir o consumo de queijo. “Uai” e “trem” dizimados do vocabulário é outra disposição inesperada dos habitantes das Gerais.

    ++ Pela integridade dos canais de saída, baianos estão dispostos a banir o consumo de pimenta na Boa Terra.

    ++ Para corroborar as exóticas disposições mencionadas, o autor destas linhas irá mergulhar no regime “trio sabor”: soja, rúcula e gelo.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Aylan

aylan

Tênis, bermuda azul-marinho e camiseta vermelha vestiam o corpinho de três anos de Aylan Kurdi, o garoto sírio cuja foto correu o mundo esta semana mostrando-o morto numa praia turca.

Aylan acompanhava sua família que, como tantas outras, buscava desesperadamente uma acolhida do Ocidente para fugir do regime de miséria, opressão e terror que castiga há muito a Síria.

O cadáver da criança refugiada, uma imagem tão triste quanto chocante, é uma das coisas que nos faz crer nos descaminhos irreversíveis da humanidade. É fato, nós erramos.

Lamentos sinceros povoaram as redes sociais. Alguns, ante o impacto do retrato, preferiram contestar a pertinência de publicá-lo.

Publicar e compartilhar, sim.

Que o simbolismo agressivo da imagem chacoalhe a opinião pública europeia. Que ela acorde definitivamente para a questão e pressione os governantes. Que estes pensem nada em cifrões e só no viés humanitário. Que eles sejam sensíveis aos gritos de socorro dos desterrados.

Bandeiras fortes como a foto de Aylan, sim, têm o poder de mudar o curso da história. Vide a foto de 1972 daquela menininha vietnamita correndo nua após um bombardeio na sua aldeia.

Os Kurdi, Aylan, a mãe Rihan e o irmão Galib, tombaram em fuga.

Fuga da guerra, fuga do estampido impiedoso de fuzis e canhões, fuga das privações das necessidades mais básicas, fuga do medo da mão pesada da ditadura.

A consciência planetária pesa como nunca. Fomos incapazes de segurá-lo.
Fomos incapazes de acolhê-lo. Fomos incapazes de proporcionar a ele uma sobrevivência digna. Fomos incapazes de lhe dar a expectativa de um futuro menos cinza.

Rabisco estas linhas revendo dolorosamente a foto a cada parágrafo. Minha dor é nada perto da realidade das hordas de Aylans que perecem por aí, no mar, na escuridão e na falta de horizonte.

Naquela areia quente em Bodrum, de bruços e sem vida, Aylan Kurdi nos mostrou de forma dura e inequívoca que um pouco do mundo, também prostrado e de bruços, morreu ali. Levaremos para sempre o calor incômodo da areia nas nossas caras.

Abdullah, o pai, único da família a sobreviver ao naufrágio, não se perdoava: “Meus filhos escorregaram das minhas mãos”.

Escorregaram, sim, Abdullah. Das mãos débeis e sujas do mundo.