domingo, 22 de setembro de 2013

Habibi, Tenda do

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Pego a rodovia rumo à província poçoscaldélica buscando alívio no incomodamento causado pela quentura climática.
E vou também para reencontrar os deleitamentos apetitosos do chef Rafael Moisés, esse neto de libaneses que realiza com primor temperístico a cozinha milenar dos seus ancestrais.

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A Tenda do Habibi, cravada no coração da agitada e charmosística urbe mineira, está mais bem fornida de detalhismos estéticos, mas continua fiel às origens ofertando aos comensais pratos deliciosos em porções generosas, visualmente sedutores, acompanhados de um atendimento simpático.

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E todo esse conjunto de corretismos no bem servir não avança com ganancismo nos seus níqueis. O preço é justíssimo.
A sugestão para uma sequência de mastigamentos jubilantes: quibe cru sob cebolas caramelizadas, babaganoush, uma sagrada coalhada seca com figo ramy, charutinhos e, o gran e dulcíssimo finale, doce de semolina, uma sobremesa de encantamento inergaláctico feita de sêmola de trigo, ameixas, ovos, assada lentamente para manter a cremosidade, e que aterrissa à mesa submersa numa sutil calda cítrica.

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Confetes e confetes, Rafael, e que o seu entusiasmo pelas tentações paladarísticas perdure por mil gerações.

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https://www.facebook.com/tendadohabibi

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Carlos, Henrique e Jorge

foto P&A_PB-PARA JORNAL

Nos ramos paterno e materno da família de Carlos havia cafeicultores. Até a vida acadêmica, no entanto, nunca se interessou pela cultura do grão que sustentava vários da sua casta.

O avô de Henrique foi o médico, daqueles devotados clínicos gerais das antigas, Dr. Paschoal. Apaixonado pelo ofício e por literatura, quando morreu deixou nos arquivos do consultório as fichas de mais de dez mil pacientes. Milhares também foram os livros deixados por ele, que tanto fascinaram o neto na infância e adolescência. A biblioteca ecumênica do ascendente era mais sedutora que as brincadeiras de rua.

Comerciante, o pai de Jorge foi um visionário. A Casa Brasileira, fundada nos anos 1950, foi uma precursora do que são hoje as lojas de departamento. No estabelecimento, Rogério vendia de aviamentos a ferramentas, passando por presentes, papelaria e uma infinidade de utilidades domésticas e miudezas.

Na tradicional —e pública— escola Cardeal Leme, Carlos cursou da primeira série ao fim do hoje chamado ensino médio. A professora Joanna Di Felippe o marcou. Marcou pela compulsão com que enchia a lousa de lições —ela não usava cartilhas— e pela vara de madeira que, entre outras serventias, repreendia pupilos relapsos.

Corajoso, Henrique muito provavelmente foi um dos pinhalenses pioneiros em programas de intercâmbio. No ano letivo 1968/69, uma família do estado norte-americano do Colorado o acolheu no último período da high-school. Dos EUA trouxe experiência de vida, fluência no inglês e a afeição dos que o hospedaram.

A província ficara pequena demais para os anseios universitários do jovem Jorge. Na excelência da Politécnica da Universidade de São Paulo, com brilhantismo, granjeou o canudo de engenheiro civil.

Por algum tempo, Carlos labutou no torrão natal. Ora com empreendimentos imobiliários na iniciativa privada, ora com planejamento urbano no setor público. Ainda, lecionou Hidráulica e Irrigação na Faculdade de Agronomia, onde conviveu com professores visitantes do renomado Instituto Agronômico de Campinas, o IAC. De pesquisas desta instituição campineira saiu a maior variedade de cafés plantados no mundo.

Henrique nunca perdeu a ambição por conhecimento em plagas estrangeiras. Atraído por um anúncio publicado no Estadão, voltou à América como o único brasileiro selecionado para um programa de estudos no MIT —Massachusetts Institute of Technology. Neste ultra-conceituado centro educacional, recebeu, após um ano, o convite para fazer doutorado. Na época, por conta do curso, a cada dois meses viajava ao Egito, onde ficava quinze dias engordando sua bagagem acadêmica estudando e propondo soluções para as mazelas urbanas da nação africana.

Amigo dos donos da Máquinas Pinhalense, Jorge, nas férias, auxiliava-os como intérprete no contato com clientes gringos. Mais que um tradutor, ele era um atento observador. Observava e falava com o estofo cartesiano de um diplomado pela Poli: “A empresa fabrica com competência, mas não tem muita visão para a realidade dos países compradores”. Das críticas assertivas veio a proposta para criar/organizar o departamento de exportação da companhia. Os equipamentos da empresa, à época, estavam presentes em 12 territórios além-fronteiras. O apuro da área técnica em conceber e aperfeiçoar equipamentos que revolucionavam o beneficiamento de café aliado a uma eficiente [nova] área de comércio exterior seria determinante para a expansão da Pinhalense. E foi. Hoje os produtos made in Pinhal estão espalhados em noventa países nos cinco continentes. Mais da metade do café consumido no mundo passa por pelo menos uma máquina Pinhalense.

Carlos Henrique Jorge Brando, fragmentado nos parágrafos acima num tosco exercício literário do signatário do blog, é o cara de currículo invejável responsável por mudar e modernizar processos de beneficiamento de café em grandes países produtores.

Em 1995 saiu da empresa, mas permaneceu na missão através da P&A, uma cria para prestar de forma terceirizada o que ele fazia de carteira assinada. Mais que um vendedor de máquinas, Carlos Brando passou a ser participante ativo do agronegócio e, por consequência, aprofundou sua dedicação para dominar ainda mais o conhecimento em todas as etapas de produção e comercialização do café.

Palestrante requisitado pelos principais eventos cafeeiros do mundo, Carlos Brando multiplicou os negócios. O grupo comandado por ele tem 30 colaboradores que pensam café 24 horas por dia. Vende máquinas e consultorias, exporta cafés especiais, torra e distribui um produto extra-qualidade no maior centro gastronômico do Brasil. Uma das quatro empresas da holding é a GSB2, uma agência de propaganda especializada em café.

Do seu seleto grupo de colaboradores sai um boletim mensal bilíngue —inglês e espanhol— que atinge sete mil pessoas ligadas ao ramo nos cinco continentes. Quando o assunto é café, Carlos Brando é fonte de importantes veículos de mídia planetários: seu nome é citado com frequência pelo Financial Times, pela Reuters, pela Bloomberg...

Ainda, sabe-se lá como, arranja tempo pra ser membro de vários conselhos, governamentais ou não, que discutem e norteiam o métier.

Seguro, ponderado, generoso, Carlos Brando rejeita individualismos e credita o êxito negocial ao trabalho da equipe.

Instável, doidivanas, egoísta, o autor destas linhas enxerga méritos incontestes no serviço dos sócios e funcionários, mas não pode se abster de reverenciar a sumidade cafeeira personificada no pinhalense Carlos Henrique Jorge Brando.

E arremato, indagando como um forasteiro: Espírito Santo do Pinhal reconhece como deveria os feitos extraordinários deste filho ilustre?

sábado, 17 de agosto de 2013

Pulperia do Moraes

antigamente botequim

Sérgio Moraes é um eterno devotado à cultura de boteco.

No bairro do Rosário de suas origens, a tubaína com furo na tampinha era sorvida nas tabernas do entorno. Bar do Didi, Bar do Monsueto, Bar Tiradentes e Bar 25 compunham a trilha de estufas abarrotadas de acepipes cheios de gordura e temperos.

O moleque tinha paixão por aqueles ambientes encardidos, um tanto desregrados, de prosa e bebidas sem limites. A paquera intensa tinha alvos certeiros: torresmos, ovos coloridos, linguiças e salsichas mergulhadas em molhos suspeitos.

Aos 11 anos enxugou a primeira caipirinha de limão-cavalo. Daí o primeiro porre e o início de uma jornada de prazeres belisco-etílicos.

Por 21 anos ganhou o pão no Foto Real. O que lograva com retratos e revelações deixava nas tascas. E Sérgio foi fundo nas explorações taverneiras: da Tijuca e Vila Isabel, no meio da malandragem carioca, aos cafundós das Minas Gerais, passando, claro, por Belo Horizonte, a capital das alterosas e destino número um dos beberrões e comilões de bodegas.

A primeira aventura atrás do balcão foi o Villa Petiscos, ali na Campos Salles com Teófilo de Andrade. Pelo tamanho e pela estrutura a casa escapou um pouco do conceito do criador e, por essa e outras razões, encerrou as atividades prematuramente. Portas fechadas que deixaram lições ao empreendedor e um legado baiuqueiro a este torrão crepuscular.

Sujeito de convicções, Sérgio voltou ao métier dia destes com o Antigamente Botequim, onde propõe algumas de suas crenças: informalidade, improviso, desalinho, nada de garçons nem números nas mesas, freguês tem nome e apelido, cerveja estupidamente gelada, lousa tosca em vez de cardápios, atendimento caótico, preço justo, cachaça, costelinha de porco com mandioca, fígado acebolado com jiló, bolinho de batata com calabresa, dobradinha, bucho ao vinagrete, panceta, frango com quiabo, chouriço, pimentas várias e por aí segue nestas oleosas e rústicas veredas do paladar.

Que venha o M amarelo do Tio Sam. Os súditos da Beloca acolhem a diversidade, mas, matutos de alma, estão aí com o pé na terra aferrados ao melhor das suas tradições.

Essa vai pro santo!

E dá-lhe gole da marvada no chão áspero e puído do Antigamente.

Em tempo: a chafarica —salve Houaiss pela vastidão de sinônimos— fica na Avenida Oscar Pirajá Martins, 344, pertinho do Instituto.

domingo, 11 de agosto de 2013

Letras, aromas, pimentas e irreverência

Com muita honra fui incumbido de fazer o elóquio de saudação a João Batista Gregório. O amigo, por minha indicação, foi empossado na na noite de 10 de agosto de 2013 na cadeira 37 da Academia de Letras de São João da Boa Vista. Baita orgulho!

posse Tista

Boa noite, presidenta Lucelena Maia, componentes da mesa, confrades, confreiras e convidados. Boa noite, bardo Ademir Barbosa de Oliveira e boa noite ao amigo João Batista Gregório...

Na carência de dados para cometer esta peça retórica de boas-vindas ao neo-acadêmico, pedi para colhê-los in loco no sítio mais condimentado desta província crepuscular. Era noite de segunda-feira e sabendo de antemão que padeceria deveras com o estômago vazio no pós-trabalho, roguei ao anfitrião que me acudisse com um prosaico pão com ovo. O delicioso risoto Paris servido ao escriba e sua consorte, com champignons e presunto, foi bem mais restaurador que o trivial sanduíche.

Entre generosas garfadas no arroz arbóreo incrementado e algumas taças de vinho, ouvi muito e, em nome do protocolo e do decoro desta Casa de Letras, arvoro-me a contar um pouco da história de João Batista Gregório, com o zelo e a discrição de suprimir casos e causos impublicáveis.

A rua 14 de Julho e o bairro do Perpétuo Socorro viram nascer e crescer o caçula de seis rebentos, cinco meninos e uma menina, do casal luso-itálico Paschoal Gregório e Alzira Sansana Gregório.

O pai, comerciante, corretor, pecuarista, era um homem rígido, do tipo que exigia ser o primeiro a sentar-se à mesa e detentor de, entre tantas regalias patriarcais, a de sempre devorar as duas coxas do galináceo, quando este, assado, frito ou cozido, reinava na cozinha dos Gregório. Tista e seus irmãos, na meninice, não conheceram o gosto das ancas de uma penosa.

A comida sempre foi abundante no fogão da dona Alzira. Previdente e dotada de uma mão abençoada, o exagero era explicado porque o marido, não raras vezes, chegava de surpresa com fregueses para fechar negócios em torno de uma polenta cremosa, esparramada no tampo e cortada com linha. O arroz de forno da mãe, criativamente concebido com as frequentes sobras da véspera, está entre os sabores que mais marcaram a infância de João Batista.

A rua era o mundo de Tista fora do horário escolar. Traquinagens e brincadeiras de criança numa época em que poucas vias da cidade eram pavimentadas. No chão de terra, ele e os amigos perambulavam nas redondezas jogando bolinha de gude, brincando de pega-pega, caçando morcegos, armando estilingues para abater impiedosamente pardais e rolinhas e, supra-sumo das travessuras, invadindo o pomar da igreja do Perpétuo para furtar as sacras e polpudas frutas cuidadosamente cultivadas por padres e seminaristas.

Das noites de um tempo pré-televisão, ele guarda no seu baú nostálgico as memórias das comadres e compadres papeando e mexericando nas calçadas, enquanto a molecada gastava nas veredas o restinho da energia do dia.

Nove da noite, impreterivelmente, e a gurizada era recolhida pra dormir. No clã Gregório, os cinco garotos compartilhavam o mesmo quarto.

Estudioso, o mano Toninho, sonâmbulo, recitava, inconscientemente para desespero dos irmãos, as tarefas escolares: “Falésia é uma forma geográfica litoral, caracterizada por um abrupto encontro da terra com o mar. Formam-se escarpas na vertical que terminam ao nível do mar e encontram-se permanentemente sob a ação erosiva...”.

E por aí iam, noite após noite, tratados e decorebas de História, Física, Biologia, tabuada...

Da infância para a adolescência e os prazeres de ler e escrever contaminaram definitivamente João Batista. Influenciado pelas mestras Vera Gomes, Elza Zogbi e Olga Meirelles, ele subia intensamente em todas as vertentes literárias que lhe caíam às mãos: Eça de Queiroz, Machado de Assis, Érico Veríssimo, os clássicos franceses...

Inspirado, arriscou na dramaturgia e redigiu “Jassie, apenas uma lágrima”, uma obra chorosa, triste, encenada com êxito no Instituto de Educação e no Salão Diocesano.

Cheio de pretensões artísticas, também enveredou pela música como crooner da banda nominada, acreditem!, Os Apanágios —quero crer que a qualidade musical era inversamente proporcional ao horrendo nome do grupo. A trupe viajava numa velha Kombi embalando bailes e eventos em São João e região.

Uma passagem impagável do conjunto.

Num baile na vizinha Vargem Grande do Sul, Tista e a prima Neusa Sansana soltavam a voz na canção francesa “Je t'aime... Moi Non Plus”. A interpretação invocava alguns gemidos e, empolgados com a receptividade dos dançantes, os vocalistas se excederam no tom dos ganidos alusivos ao ato sexual. Inconformado com a sonoridade de alcova, com os uivos libidinosos, um diretor do clube onde ocorria a apresentação mandou cortar o som e enxotou Os Apanágios dali. “Isso aqui é um clube de família”, bradava o dirigente moralista.

O apelido Vassourinha decorreu da fama de namorador. Beldades de São João e região deixaram seus nomes no vasto rol das conquistas amorosas do então descompromissado João Batista. Foi uma fase em que ele conheceu sortidas ancas, não necessariamente das penosas.

Em certo período da juventude, aderiu ao estilo hippie. Porra-louca, ganhou algumas mulheres e perdeu alguns empregos por conta do cabelo comprido, sem trato, do sapato plataforma e das roupas extravagantes.

O primeiro flerte com Heliana Ciacco foi no Tekinfin, perto do Carnaval de 1975. Ele rememora a beleza da moça: “Era linda, vestia uma saia de veludo e tinha cabelo chanel”. Da recém-inaugurada lanchonete, cada um com sua turma, atravessaram a Dona Gertrudes e entraram no baile do antológico Palmeiras. Lá na pista do clube a troca de olhares continuou e, intermediado por uma amiga comum, o primeiro encontro foi marcado para o trajeto até a residência dela. Um pouco antes, na solidão da madrugada, Heliana saiu caminhando devagar a espera do pretendente que a resgataria para uma “conversa”. A coisa enrolou porque Tista, motorizado com o carro do pai que só pegava no tranco, percebeu que sua condução estava presa entre dois outros carros. Sozinha, Heliana chegou a sua casa maldizendo o tratante.

Imbróglio explicado, o namoro engatou dias depois. No mesmo 1975, João Batista ingressou na Caixa e assumiu na agência da Praça da Sé, onde foi destacado para trabalhar na área de Habitação.

A paixão era tanta que Heliana pegou a escova de dente e foi juntar os trapos com o neo-bancário na Pauliceia desvairada.

De São Paulo veio o convite para trabalhar na matriz do banco, na secura de Brasília. Especialista em financiamentos habitacionais, ele conheceu o país inteiro ministrando cursos e treinamentos.

Na época da capital federal, uma cidade de desterrados, Tista apurou a arte de receber e cozinhar para os amigos. Sua morada brasiliense ficou célebre pelas esbórnias etílico-gastronômicas.

Atingiu o ápice funcional na Caixa laborando como assessor de diretoria.

A saudade da Mantiqueira bateu avassaladoramente e ele, no impulso, voltou para trabalhar na agência de Poços de Caldas.

Amigos, vida social intensa, sucesso na faina e uma cidade que o acolheu muito bem. Nada disso prendeu o irrequieto por mais de três anos em Poços.

Brasília chamou e novamente ele, de afogadilho, foi com a família candangar no planalto central.

Nesta segunda vez no Distrito Federal cavoucou uma forma de engordar os ganhos. Nos finais de semana aterrissava em São Paulo para comprar joias. Com o horário flexível e bom de conversa, circulava pelos ministérios e repartições mercadejando peças de ouro e diamantes para abastadas funcionárias públicas.

A falta de esquinas se tornara insuportável depois de mais uns anos no centro político da República. Os recorrentes chamados das raízes o trouxeram de novo e definitivamente à região. Como Gerente Geral andejou por Aguaí, Limeira, Vargem Grande, Casa Branca, Mogi Mirim e São João. Em 2009 conquistou o dolce far niente da aposentadoria. Dolce, tudo bem, mas fazer nada não estava nos seus propósitos.

Começou a juntar a bagagem das múltiplas gentes, culturas e lugares que conheceu. Entabulou a registrar impagáveis histórias de vida, desde e infância na 14 de Julho até a trajetória rica e nômade de bancário.

Fluiu a publicação do primeiro livro, Crenças e Desavenças, veio o segundo, Qual Será o Sabor da Crônica; está pronto, quase no forno, o terceiro, por enquanto sem título. Dono de uma pena irreverente, Tista Gregório imprime nas suas crônicas um estilo singular, mordaz. Seus escritos vêm envoltos numa irresistível embalagem de humor e pimenta, retratando o bicho homem nas suas virtudes, sucessos, pecados e fraquezas. Ora melancólico, também deleita os leitores com prazerosas e poéticas reminiscências sobre queridos e tempos idos.

Internauta compulsivo, agita o Facebook no grupo Contos Curtos, Grandes Receitas. Compartilha acepipes, crônicas, humor e cultura inútil na mesma proporção. O grupo diverte várias tribos e aguça os mais diversos paladares.

Generoso com os menos favorecidos, ele dedicas as terças-feiras para preparar uma monumental sopa. Sozinho ou com o apoio de voluntários, Tista cozinha e distribui o sopão para as famílias mais pobres do bairro Santo Antônio.

A Pousada do Bosque, um lugar histórico e esplendoroso da confreira Maria Cecília Malheiro, acolhe periodicamente jantares temáticos superconcorridos capitaneados por ele.

Ainda, sua página semanal n’O Município é um caldo sedutor de letras e aromas.

Meu amigo João Batista, nove de março deste ano caiu num sábado. Um sábado gelado de inverno em Stamford no litoral de Connecticut, na costa leste dos EUA. Estávamos num restaurante cubano e, entre drinques e pratos com toques calientes da ilha de Fidel, eu tive o arroubo de instigá-lo à candidatura a uma das cadeiras vagas desta profícua Confraria de Letrados. Embalado pelo rum de primeiríssima que você sorveu em doses nada modestas, a concordância com a postulação veio mais ou menos assim: “Manda bala, meu amigo, seja o que Deus quiser”. E, pelo jeito, Ele quis.

Eu mandei bala e seu nome teve o apoio incontestável da maioria absoluta de confrades e confreiras.

Nesta noite festiva, 10 de agosto de 2013, exatos cinco meses após aquele inesquecível almoço no Dulce Cubano, estamos aqui, juntos, em outra celebração.

Para orgulho da esposa Heliana, dos filhos Thiago, Carol, Karen e Dani, dos netos Ana Carolina, João Victor, Yuri, Yan, Yago e Alissa, dos irmãos, dos amigos e ex-colegas de trabalho, a Academia de Letras de São João da Boa Vista, irremediavelmente, a partir de hoje, mais rica, mais dinâmica, mais temperada, mais picante e mais divertida, acolhe calorosamente seu mais novo imortal.

Bem-vindo, João Batista Gregório!

sábado, 3 de agosto de 2013

Aquele abraço!

vila do zeca

Nativo deste torrão de tantos talentos, o menino crepuscular cresceu nos antiquíssimos bairros do Rosário e Pratinha.

O gosto pela arte culinária sempre existiu, mas dele nunca decorreu nenhuma pretensão profissional. Mais velho de três irmãos, Muriel Filho, ainda criança, ia às panelas para saciar sua fome e dos dois caçulas. A necessidade do primogênito, que via os pais saírem cedo na busca do sustento da prole, o fez aprender a se virar no trivial da refeição cotidiana.

Na adolescência, a proximidade com a cozinha como meio de vida aconteceu intensamente: o pai, nos anos 1990, foi proprietário de uma rotisseria na rua Getúlio Vargas, a Sabor & Cia. Entregas em domicílio e compras de ingredientes eram as atribuições dele no estabelecimento da família. À época, fissurado por rodeios, Muriel não quis saber de trocar as montarias pelo fogão.

Vinte e poucos anos e o namoro com uma garota cuja família era habitué da boa mesa foi o estímulo para ver a comida sob uma ótica mais sofisticada. Os sogros, percebendo a habilidade do genro nas caçarolas, o incitaram na exploração de aromas e temperos. A despensa bem abastecida da residência foi fundamental para o apuro nos ofícios de fazer e servir.

O sopro foi forte o suficiente para trazer aos sânjicos a Confraria Olga, um restaurante pequeno, íntimo, que atendia vinte comensais nas noites de sexta e sábado. A vocação inequívoca foi, aos poucos, perdendo os timbres amadores. Essa lapidação derivou muito de saudáveis apontamentos críticos dos clientes. Pastas frescas —com o pedigree do gênio cantineiro Carlão Cardo—, peixes e frutos do mar compunham a linha mestra da carta de prazeres da casa. E o deleite vinha na simplicidade de um fettuccine ao azeite sob generosas porções do essencial grana padano. E vinha também no requinte de um robalo grelhado no molho cítrico acompanhado de farofa de pão com trio de cogumelos.

Rupturas vieram: fim do chamego e fim do ciclo da Confraria.

Vida que segue. E seguiu no O Grotto, aconchegantemente instalado na belíssima Pousada do Bosque. Consolidado na cena gastronômica de Sanja, Muriel tocou o empreendimento por seis meses. O fechamento prematuro sucedeu do conflito do funcionamento da taberna com a agenda de eventos do local.

A carteira assinada no Spaço fluiu positivamente nas experiências gerenciais e no convívio inspirador com Dona Salma e Fábio Perez.

O labor com essa dupla tão competente no engenho do bem nutrir acabou. E rematou com a proposta de um Big empresário: Rafael Antonelli. O guaçuano supermercadista aterrissou nestas margens do Jaguari botando pra quebrar. Vultosos investimentos num mega centro de compras revitalizaram uma área degradada da cidade. E no entorno da loja os negócios pululam: banco, lotérica, café, fast-food, perfumaria, farmácia e... a Vila.

Martinho da Vila e Zeca Pagodinho são símbolos de brasilidade, de informalidade. São ícones da alma botequeira, do jeito despojado de bem receber. Sobre esse conceito, Rafael e Muriel —com o perdão da rima pobre— engendraram a Vila do Zeca, um bar que oferece croquete, pastel, polenta e cachaças de responsa. Um botequim samba-jazz ornado com mobiliário bacana e detalhes acolhedores. Uma tasca ajeitada com toques ecumênicos que tem ainda hambúrguer caseiro, bruschettas, cervejas importadas e um sanduba que simboliza à perfeição essa mescla de opções, o Sertanejo, um acepipe em que o pão francês abraça dignamente a linguiça artesanal, o queijo, o tomate e a rúcula.

E quem ama esse pé da Mantiqueira também deve se sentir abraçado. Abraçado pela capacidade realizadora de Rafael Antonelli e pelo instinto criativo do chef Muriel Filho.

Saúde!

http://www.viladozeca.com.br/

croquete

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Sobre asas e cafezais

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Como muitos pinhalenses, ele nasceu e foi criado nas lavouras de café. O mato, os bichos, as pastagens e a rusticidade da vida rural sempre o arrebataram. Só no ginásio o meio urbano veio como habitat do adolescente Plínio Marcelo Florence Fernandes.

E veio também junto uma vontade de estudar na cidade grande. E lá foi ele do solo cafeeiro da provinciana Pinhalópolis para o piso asfáltico da Paulicéia despudorada e cheia de portas abertas. O jovem escolheu Administração de Empresas e foi morar numa modesta república nas imediações da Consolação.

1971 marcou esse início de vida universitária e, sem demora, também foi o ano do primeiro carimbo na sua carteira de trabalho. A Varig foi a empregadora e o então glamouroso Aeroporto de Congonhas era o local de trabalho. Na função de recepcionista —ou despachante de voo— Plínio labutou por pouco mais de doze meses. Carismático e curioso, foi promovido ao setor de vendas. Responsável pelo interior de São Paulo, ele conheceu muita gente e todas as regiões do estado mais rico do país.

Em razão de circunstâncias familiares deixou a capital em 1976 para socorrer um parente. Na urbe bandeirante de Lençóis Paulista, Plínio ajudou a reerguer a propriedade do tio Cory Porto Fernandes, à época dizimada por uma geada que queimou milhares de pés de café. E o fez única e exclusivamente pela solidariedade afetiva e sanguínea, pois nada embolsou pela dura faina. Missão cumprida com bravura em três longos anos.

A metrópole das oportunidades o chamou de novo e o bom filho a casa voltou em 1979. Varig, Varig, Varig... Mais calejado, foi recolocado na superintendência nacional de vendas daquela que era uma das melhores companhias aéreas do planeta. Explorou profundamente todas as unidades da federação. E viajou, também, para a totalidade dos destinos internacionais atendidos pela empresa. Idealizou e implantou a rota São Paulo-Cancun. Este último, nos anos 80, era um balneário desconhecido dos sul-americanos.

De olho no promissor mercado brasileiro, a United Airlines aterrissou por aqui em 1992 e, três anos depois, contratava o executivo pinhalense para comandar a operação comercial da empresa no país. Sobre a entrevista em Chicago que selou sua admissão, Plinio conta às gargalhadas:

“Como meu inglês era limitado, não muito fluente, falei pouco e dei respostas curtas e diretas. O recrutador elogiou minha ‘objetividade’ pouco latina. Mal sabia ele que essa ‘objetividade’ era pra maquiar meu restrito domínio do idioma”.

A cada quinze dias ele se reunia com a cúpula da corporação em alguma das mais de 600 cidades servidas pela companhia no mundo. O labor pesado tinha como recompensa as viagens, quase sempre na mordomia da primeira classe, ao redor do globo.

Uma das principais marcas da sua gestão na United do Brasil foi o pioneirismo em vender passagens internacionais em 10 parcelas sem juros. Estratégia que foi um estrondoso sucesso. Os brasucas começavam a descobrir Nova York e Miami em suaves prestações.

Da experiência na empresa americana, o nativo de PinhalCity relembra:

“Aprendi com eles a importância do planejamento, da disciplina financeira e que o futuro estava no uso intenso dos recursos de informática”.

A morte do pai em 2004 foi um baque e um motivo para retornar às raízes da Fazenda Santa Agueda. E voltou com propósitos claros: reestruturar e modernizar a cultura do fruto da rubiácea. Já na quarta geração dos Fernandes cafeicultores, Plínio queria mais, muito mais que simplesmente vender o grão verde. Estudou muito, calçou as botinas e foi à briga.

Por um breve período entre 2007 e 2009, uma proposta financeira irrecusável o lançou de novo aos ares. Dirigiu comercialmente a Ocean Air/Avianca no Brasil. O programa de fidelidade Amigo foi mais um dos vanguardistas legados dele para o segmento do transporte aéreo de passageiros.

O magnetismo da aviação perdera definitivamente a graça. E a graça —leia-se desafio— estava nas terras da infância, nas bordas SP-Minas, na Espírito Santo do Pinhal de tantas lembranças. O voo mais alto estaria no torrão natal.

Já conhecedor do meio e da dificuldade em manter os cafezais, o neo-empreendedor sabia que agregar valor era questão de sobrevivência. Plantar era pouco. Ele queria o domínio completo da cadeia do produto. Plantar, torrar, moer e empacotar um café de qualidade superior. O lucro seria a natural e necessária decorrência do negócio.

Produzidos de forma quase artesanal, e somente processados após o pedido do cliente, o que garante sempre uma bebida fresquíssima à mesa, os rótulos “Aí” e “A2” são reconhecidamente cafés gourmet na avaliação de baristas e experts do ramo. A seriedade na condução da torrefação propiciou uma carteira —em expansão— de exigentes compradores corporativos do eixo Campinas-SP.

Dono de uma bagagem profissional e pessoal admirável, Plínio, 60, diz que a vida foi generosa com ele. O entusiasmo e a gratidão estão no seu DNA:

“Ainda tenho muita lenha pra queimar, ainda almejo novos céus para triunfar. A prosperidade precisa de dinheiro, mas hoje o que me move está muito além dos cifrões. Quero, e como quero, enaltecer ainda mais o café de Pinhal e região, reconhecidamente o melhor do Brasil”.

http://www.cafea2.com.br/novo/

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Academia em revista

Estação de Trem - estilo HonzaKov - P&B

O culto à palavra, a reverência ao bom verbo, a difusão da escrita. Nobres razões para a existência de uma Confraria de Letras. Articulados e idealistas, Octávio da Silva Bastos e Milton Duarte Segurado, depois de propósitos brotados num colóquio informal, conceberam na primavera de 1971 a Academia de Letras de São João da Boa Vista.

Culto, respeitado e aglutinador, o então bispo diocesano Dom Tomás Vaquero foi o nome de consenso para presidir as três primeiras gestões da Arcádia sanjonense. Sereno sem deixar de ser firme, seu comando no grupo literário foi marcado pela consolidação da instituição na sociedade organizada desta urbe tão luminosamente localizada, tão crepuscularmente sedutora.

Dotado de fala eloquente, orador apaixonado, Octávio Pereira Leite sucedeu Dom Tomás também por três períodos consecutivos. Zeloso do papel institucional da Academia, cumpriu com brilho a missão de gerir a associação de letrados.

Causídico de ofício e lírico por vocação, Wildes Antonio Bruscato usou seu sólido saber jurídico para propor e efetivar essenciais alterações no Estatuto. Seu triênio na condução trouxe notas melódicas à Casa, pois o confrade, entusiasta da música, foi um dos fundadores do Coral Vozes de São João da Boa Vista.

O médico, que também vigiava a saúde do léxico, José Edgar Simon Alonso substitui Wildes no mandato seguinte, mas faleceu precocemente antes de concluir sua administração. Maria Célia de Campos Marcondes, 2ª vice-presidente, assumiu o manche da aeronave dos eruditos mantiqueiros.

Maria Aparecida Pimentel Mangeon Oliveira, a Aparecidinha, educadora com inequívoca inclinação às artes, foi a gestora que imprimiu nos anos seguintes um modelo com ardoroso respeito ao protocolo nas cerimônias da Academia. Nos seus inúmeros e históricos discursos ela sempre ressaltava a importância de cultura na formação da cidadania.

O advogado forjado na lendária São Francisco, Sérgio Ayrton Meirelles de Oliveira, com o falecimento da confreira Aparecidinha, geriu até o fim o triênio 2005/2007. Proseador cheio de estilo, ele assim aclamou seus pares por ocasião do lançamento da 2ª Antologia: “Os acadêmicos são expertos nas técnicas literárias, cultos nas veredas da língua portuguesa e dotados de criatividade imprescindível”.

Culta, líder e fervorosa defensora das tradições da Academia, Maria Célia de Campos Marcondes foi novamente uma realizadora presidente nos anos 2008/09/10 e, entre diversos feitos e eventos notáveis, inseriu a instituição na rede mundial de computadores. Ganhamos, finalmente, o nosso sítio virtual.

O mandato seguinte foi dirigido pelo jornalista, professor e então vereador, Francisco de Assis Carvalho Arten. Reformas importantes carimbaram o comando dele na Arcádia: a modernização do Estatuto e a remodelação da sede. Sua habilidade política foi fundamental nestas conquistas.

Lucelena Maia, irrequieta, é a atual presidente e faz uma gestão ambiciosa no empreender em prol das letras. Tomou posse já fincando uma dinâmica agenda de acontecimentos. Até o fim de 2014 o calendário é permeado por efemérides mensais. Este primeiro número da ARCA é um dos compromissos cumpridos da atual diretoria.

Nesta província de relevos geográficos insinuantes, a serra inspira e o crepúsculo abençoa. Em 42 anos de poucas turbulências e muitos êxitos, a Academia prestou, em incontáveis e nas mais diversas formas de homenagem ao idioma, inestimáveis serviços ao fomento da riqueza cultural da cidade.

Pela preservação das espécies, Noé abarcou muitos bichos na sua arca. Aqui nesta ARCA vocabular a PLURALIDADE de estilos é de outra natureza, mas o respeito a ela é o mesmo.

Habemus revista!

Em tempo 1: Este blogueiro foi honrosamente incumbido de lavrar o texto acima para e edição primeira da ARCA, uma publicação da Academia de Letras de São João da Boa Vista.

Em tempo 2: Mais triste e menos saborosa, Pinhal perdeu Tonheca, um personagem que fez história na cidade. Fez pelo empreendedorismo, pela longevidade da cria e pelos sanduíches que são ícones na gastronomia de toda a região. Morre o homem, o legado fica. As plagas celestiais ganham novos temperos a partir desta semana. E cá no plano terreno a prole dignifica a arte do pai. Jefferson e Jackson nunca deixaram a chapa esfriar e estão aí, há muito, deliciando os famintos desta urbe cafeeira com o clássico cardápio de lombinhos & afins.

Foto e arte: Silvia Ferrante – Estação Ferroviária de São João da Boa Vista

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Federais do Distrito

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Três dias de labuta na capital brasuca não vão desviar o escriba rechonchudo do seu reto caminho em busca de mais saúde e menos arrobas. Vaguear é preciso!

Noite de segunda-feira, pouco político e baixa temperatura em Brasília. E um macaúbico desejoso de mexer o esqueleto aproveitando a visão das sedutoras edificações do Eixo Monumental.

Saio do Setor Hoteleiro Norte com o obstinado propósito de marchar até a Praça dos Três Poderes. Coisa de pouco mais de oito quilômetros entre a ida e a volta.

Primeira parada: Catedral Metropolitana. Uma prece silenciosa contemplando as incríveis colunas em formato hiperboloide genialmente projetadas pelo ateu Oscar Niemeyer. Rogo pouco, quase nada, pelas grandes causas que afligem a humanidade. Minhas súplicas espirituais têm mais a ver com as particulares pretensões salubres mencionadas no primeiro parágrafo destas toscas linhas.

Da virtude para o pecado, ops!, ato falho, quero dizer, da igreja para a Esplanada dos Ministérios. Aquela sequência paradoxalmente monótona e harmônica de prédios idênticos. Passa muito das 20h e em todos eles há muitas luzes acesas. As conjecturas são inevitáveis. Servidores públicos abnegados trabalhando exageradamente por um país melhor? Gente mal intencionada usando o pós-expediente para engendrar falcatruas com dinheiro público? Ou simplesmente pessoas indolentes, inimigas da tarefa hercúlea que é pressionar um interruptor?

Itamaraty, o QG da nossa política externa. O palácio reflete suas belas linhas curvas no espelho d'água e proporciona uma fértil colheita de imagens para este “instagranzeiro" compulsivo. E provoca também algumas indagações. Continuariam os diplomatas brasucas a granjear argumentos em defesa da moribunda ditadura cubana dos irmãos Castro? E a democracia de fachada da Venezuela de mãos dadas com a vizinha Cristina Kirchner, cujo esporte preferido atualmente é tentar calar a imprensa livre da Argentina. Por que nenhuma palavra mais incisiva dos nossos homens de relações exteriores contra estes arroubos reiterados de totalitarismo? Seria por que urgem preocupações essenciais com os rótulos dos champanhes franceses e com a quantidade do caviar iraniano servidos nos suntuosos banquetes diplomáticos?

O STF e seu quase solitário cavaleiro da Justiça, Joaquim. Conseguirá esse magistrado que é referência de probidade conter as manobras espúrias de bastidores tendentes a "empizzar" as condenações dos mensaleiros? Ah!, claro, a sede da corte maior da nação também é monumento da arquitetura desta cidade que é um museu a céu aberto. E dá-lhe postagens cheias de efeitos na rede social de fotografias!

No Planalto arrisquei com o porteiro: "Sou o Lauro, de São João, filho da Ana Maria e neto do professor Augusto. Faço parte da Academia de Letras de lá. O Dulcídio Braz, o Marcelo Sguassábia e o Walther Castelli são meus amigos. Será que a presidenta pode me receber pra um naco de prosa?" O cara anotou tudo e interfonou para o gabinete da chefe-mor. "Senhor Borges, suas credenciais impressionam, mas a presidenta Dilma está em Portugal, numa missão importantíssima de degustação de bacalhau. Quem sabe na sua próxima vez no Distrito Federal", justificou quase pedindo perdão o leão-de-chácara do palácio.

Sobre o Congresso é desnecessário cantar em prosa e verso mais uma vez sobre magnitude das viagens em concreto armado do maior arquiteto brasileiro. Acerca dos parlamentares, um relato. Voei de volta a Viracopos numa quinta-feira, 10:50. Da manhã, diga-se. A aeronave estava abarrotada de deputados federais da região de Campinas. Desde que o mundo é mundo sabe-se que a semana de "trabalho" deles em Brasília começa na terça e termina na quinta. A novidade foi descobrir como o expediente acaba rapidinho na quinta-feira.

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Digna foi a perda calórica pela caminhada na chegada ao cerrado; e mais digna ainda foi a reposição energética dias depois. A ela.

Antes do retorno aos Crepúsculos, um happy-hour com os colegas no Bar Brasília, lugar bacaníssimo ornado com motivos retrô, uma mistura do Bar Brahma de Sampa com os botecos da Lapa carioca. O chope, muitíssimo bem tirado, é servido naqueles clássicos copos cervejeiros da década de 1970. O acepipe que reina ali é o bolinho de batata-baroa com carne-seca e catupiry.

O melhor dos quatro dias na capital da República: uma revelação que muda os rumos da minha insignificante existência. Batata-baroa, acreditem!, é o mesmo que mandioquinha-salsa.

E sobe foto dos bolinhos para o Instagram!

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http://www.barbrasilia.com/

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Kapadokya

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Agosto de 2011. Depois de Istambul, Kusadasi, Pamukkale, Alanya e Konya —ufa!, lugares e exclamações—, o destino é Göreme, na região da Turquia nominada Anatólia Central.

Finzinho de tarde e, após alguns embananamentos rodoviários de praxe, chegamos, os caipiras, à tão esperada Capadócia.

Antes de procurar hospedagem e restaurante, compramos, mais do que depressa e já para o dia seguinte, o obrigatório passeio de balão.

A van da Anatolian Ballons nos pega no hotel-caverna —sim, dormimos dentro de uma rocha— perto das 5 da matina. A causa nobre e a ansiedade despertam os dorminhocos.

Vamos para o pré-embarque num pavilhão turístico onde é servido o café da manhã, já incluso nos 100 euros por cabeça. E falando em desjejum, lembro-me de uma coisa que não falta na primeira refeição dos turcos: azeitonas. Verdes, pretas, saborosas e carnudas.

À época, bem antes de Salve Jorge, o folhetim global, os brasileiros não pagavam tão caro pelo tour. Parece que a novela da Glória Perez inflacionou estratosfericamente os preços na Capadócia.

Organizados e etiquetados, saímos para o local da decolagem e, ainda meio escuro, o ar quente dos maçaricos faz dezenas de balões subirem sequencialmente numa das cenas mais espetaculares que estes cansados olhos já viram.

Viajam, apertadas e boquiabertas, em cada brinquedinho, umas doze pessoas, incluindo o condutor.

Lá em cima, em quase uma hora de voo, o campo visual contempla uma geografia extraordinária com formações rochosas indescritíveis e, durante o devaneio no céu, o astro-rei surge no horizonte, deixando o vivente mais espantado ainda com tal e tamanha beleza.

De volta, 7 da manhã, depois da aterrissagem cirúrgica na traseira de uma caminhonete, comandante e passageiros cumprem a tradição e brindam com champagne. A sensação é de embriaguez, não pela taça do espumante, mas pela experiência única neste singular painel cinematográfico que é a Capadócia.

E dá-lhe exclamação!!!!!!!!!

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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Genwa

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Los Angeles, segunda-feira, 18 de março de 2013.

Deixar a maior cidade da Califórnia sem levar na memória um sabor marcante seria herege para um comilão itinerante. A metrópole angelena tem uma absurda oferta de temperos étnicos.

Queríamos um oriental diferente dos que já conhecíamos [japonês, chinês, tailandês e vietnamita] e, com a ajuda de várias resenhas positivas no Google, decidimos por um coreano na Wilshire Boulevard. Genwa é o nome do restaurante, GENWA.

Sem reservas, chegamos às 9 da noite. A casa lotada, a maioria de olhos puxados, e 40 minutos de espera eram prenúncio de, no mínimo, uma comida correta, sem surpresas desagradáveis. O jantar foi bem mais do que o trivial coreano.

Salgado, doce, amargo, azedo e umami. Sensações do paladar numa única refeição. Por 50 doletas, quase de graça, duas pessoas são deslumbradas pelo menu que eles chamam de “course”.

Um macarrão artesanal tipo lamen, frio, meio adocicado, mais de 20 cumbuquinhas com peixes, pimentas, legumes, ervas, raízes, queijos, o escambau. Uma sequência inusual para ocidentais. Diria até estapafúrdia para os gostos mais ortodoxos.

Ainda bem que a covardia culinária não está entre os meus inúmeros defeitos.

O cardápio está grafado naqueles intraduzíveis ideogramas asiáticos e em inglês. Mesmo na língua anglo-saxônica não deu pra saber o nome de quase nada do que engolimos com curiosidade e prazer.

No centro da mesa há uma grelha a carvão para o preparo de mais de uma dúzia de rolinhos de carne, que é marmorizada no estilo Kobe Beef e cortada bem fininha.

A brigada, muito simpática, se esforça para agradar aos comensais. Um deles, tagarela, contou-nos em espanhol que seu “cumpleaños” foi comemorado numa churrascaria [Fogo de Chão] brasileira em LA: “Me gustó la picanha”.

O arremate, digestivo?!, é um chá que mistura os aromas peixe e doce. Tomei o meu e o da Josi, que entortou a boca e fez mil caretas ao experimentar o líquido.

Mesmo finalizando com essa controversa infusão lambari-caramelo, o jantar no Genwa foi para um lugar de destaque na minha modesta prateleira de experiências gustativas.

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domingo, 12 de maio de 2013

FIUCA, para todos

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Quero homenagear as mães, TODAS, especialmente a minha, falando da mãe dela: vó FIUCA.

FIUCA é o apelido de infância de Ordália Figueiredo Ribeiro Bittencourt. Cognome este que extrapolou a intimidade dos próximos para deixar Ordália só no papelório da vida civil. FIUCA, para todos!

Convivi com ela até os meus doze anos. Intensamente!

Generosa! Trabalhadora! Uma mulher itinerante, viajante por vocação!

Muito, muitíssimo me influenciou! Aprendi com ela o equilíbrio entre trabalho e prazer.

Foi dos maiores nomes da alta costura de Sanja nos anos 1960/70. Do seu atelier, sempre na Tereziano Vallim, saíam os modelos sob medida que bem vestiam as damas da sociedade crepuscular.

Dedicava uma tarde semanal para coser em prol de entidades assistenciais.

O dinheiro que vinha da sua arte tinha destino: comer bem, mimar os netos e viajar. Viajar muito, pelos prazeres do turismo e pela afeição à família. Não tinha distância que a impedisse de rodar para abraçar irmãos e sobrinhos.

Em 1982, disse o neto numa crônica, ela foi costurar para os anjos na eternidade. Mais do que isso, completa o mesmo neto, as plagas celestiais nunca mais foram as mesmas depois da chegada da festeira e peregrina FIUCA.

Saudade, vó, saudade!

domingo, 5 de maio de 2013

Pedais, sorvetes e entusiasmo

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Papear com o Beto Mançanares é sempre cativante. De manhã, nós, eu e Josi, caminhando no Mantiqueira, ele passa de bike e para pra falar da causa que abraçou com paixão: a ciclovia São João-Prata. Agitador pelo bom combate, a primeira parte da ciclovia na Avenida Durval Nicolau vai sair do papel no meio do ano. E, diz com entusiasmo, as costuras e tratativas para o prolongamento da ciclofaixa até o Bosque de Águas da Prata estão bem adiantadas. Beto dá como certo esse projeto bacana que vai unir as duas cidades pela prática esportiva.

À noite, na sua "filha" de delícias geladas, a
Copabacana Sorvetes, mais entusiasmo falando da cria. Sem medo dos experimentos, Beto vai muito além do convencional nessa terra do icônico sorvete de macaúba. Os sabores tradicionais, claro, estão lá no seu múltiplo cardápio. Mas o que encanta esse glutão é o off-mesmice. Degustados na casquinha ou em taças, os sorvetes excêntricos também agradam vários chefs da região para acompanhar pratos salgados e sobremesas: agrião [pra acompanhar uma salada de manga], hortelã com mel [pra escoltar um cordeiro], parmesão [pra compor uma sobremesa com goiabada ou uma salada de folhas]. Tem ainda um sensacional de cerveja preta feito com a mogimiriana SauberBeer, que fica muito bom servido com calda de chocolate.

E ainda: com auxílio de uma alquimista do bem, vários dos seus itens aliam o prazer com a funcionalidade do alimento. Há complementos vitamínicos em alguns dos seus cremes gelados.

Taí o Betão, alma realizadora, músico virtuoso que largou a guitarra como meio de vida para fazer uns trocos nos EUA. Entregando pizza em Boston, fez mais que uns trocos ralando muito e poupando idem. Voltou para a família e para os Crepúsculos e, no circuito Prata-Bairro Alegre-Sanja-Aguaí [sim, tem Copabacana lá também], vai bem, vai muito bem pedalando nesse pé da Mantiqueira e deliciando os paladares macaúbicos.

Evoé, Beto! Evoé, Copabacana Sorvetes!

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quarta-feira, 1 de maio de 2013

Detalhes

RC

Reincidente em buscar na Justiça [e conseguir!] censura a obras literárias que contenham menções/referências a ele, Roberto Carlos acha que é rei no sentido mais déspota da palavra. Sua realeza é musical e perece sempre que estas medidas arbitrárias são perpetradas pela sua, eternamente de plantão, equipe jurídica.

Cioso da sua responsabilidade na defesa da liberdade de expressão, e com uma queda irresistível por mexericos da intimidade de celebridades, o blogueiro, depois de intenso trabalho de investigação, traz à luz detalhes demasiadamente privados da vida de RC, só conhecidos até então por um restrito grupo de empregados e assessores do artista.

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Roberto come unhas. O estarrecedor é que não são as próprias. Ele dispõe de um time de beldades, cujas mãos são rigorosamente higienizadas, para saciar seu inusitado apetite. Sazonal, o cantor alterna suas preferências. Ultimamente sua predileção é pela lâmina de ceratina [tucanei a unha?] de uma professora primária de Madureira chamada Pâmela Falange. A poucos amigos ele revelou o motivo da atual primazia da professorinha: “As unhas de Pâmela são delicadas, têm refrescante aroma frutado, com toques cítricos e um marcante retrogosto de tangerina”.

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RC é um viciado em pó branco. Não, maldosos, não é aquele da Colômbia. O rei cheira diariamente cinquenta gramas da mais pura farinha de trigo. Exigente com a qualidade do produto, ele só consome a argentina da marca Estupenda. O incomum hábito vem da infância em Cachoeiro de Itapemirim, época em que ele passava as tardes na cozinha da voluptuosa boleira Marinalva, que o iniciou na mania de aspirar as partículas minúsculas do trigo. Perguntado sobre se mais alguma coisa acontecia na casa da confeiteira, ele encerrou a conversa: “Nada mais. Tentei inalar canela uma vez, mas achei muito forte. Só rolava farinha mesmo”.

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O rei esculpe nádegas femininas. Curiosa demais é a matéria-prima de sua arte. RC modela bundas juvenis em, acreditem!, muco nasal. Isso mesmo, catota, meleca, ranho... Pra dar conta da sua profícua, escatológica e libertina produção, quilos e quilos da secreção são comprados de diversos fornecedores nos cinco continentes. A massa chega como um mosaico de tons de verde e, por isso, passa por um processo de homogeneização da coloração. Na forma, ele prefere os salientes traseiros das africanas. Sobre o muco preferido, ele explica: “Gosto de um que vem de Aitutaki, uma ilha do Pacífico Sul. A massa deles não resseca fácil e tem uma textura boa para a modelagem. Com essa matéria, as nádegas parecem pintadas com tinta metálica. Os habitantes de Aitutaki produzem as melhores catotas do planeta”.

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Metrossexual como todo popstar, Roberto Carlos jura que Pitanguy nenhum usou o bisturi na sua cara ou em qualquer parte da sua anatomia. Sobre a cútis cada vez mais aveludada, ele esclarece: “Sou fissurado em cremes faciais e hidratantes. Uso os produtos milagrosos do selo Macaubeauty. A fábrica, totalmente artesanal, manufatura seus cosméticos com a polpa de um coquinho gosmento, e fica no interior de São Paulo, pertinho da divisa com Minas. Ouvi dizer que lá a fruta é muita apreciada como sabor de um sorvete. Sei não, prefiro minha pele impecável. Paladar frutal é bom e saudável, mas sou mais o das unhas da Pâmela”.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre trilhos, patetices e civilidade

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Grand Central Station, primeiro dia. O provinciano compra o tíquete para East Norwalk, pergunta dez vezes ao bilheteiro qual o número da plataforma [track] de saída e, prudente, se dirige a ela com 15 minutos de antecedência. Track 26, ou coisa parecida.

Segundo dia. Quase nativo, vestindo um gorro com as iniciais NYC, andando com a ginga de um negão do Harlem e um sentimento de "tá tudo dominado", a passagem na mão é a segurança para perambular pela belíssima estação e só descer à plataforma no último minuto da prorrogação.

Não, seu aparvalhado!, a track de saída varia diariamente e há que se confirmar no painel o número conforme o horário de partida. Não, seu desnorteado!, presta atenção que a Quinta é um pouquinho diferente da Dona Gertrudes.

Uma desvairada correria e muito suor para chegar em tempo à plataforma correta [track 107, ou próximo disso] foi uma pedagógica lambada pro matuto deixar a sabichonice de araque e tomar as precauções necessárias para que uma pequena macaúba tenha o mínimo de percalços na Grande Maçã.

E, heroicamente embarcado, vamos para o interior do trem.

O silêncio no vagão é incômodo.

Absortos nos seus problemas, alegrias, expectativas, frustrações, os passageiros não conversam entre si. Se o fazem no celular, o tom de voz soa num volume absurdamente civilizado.

Imagino que muitos tomam o trem no mesmo horário e até se conheçam, mas a cultura os trava pra jogar conversa fora e tornar a viagem mais agradável. Agradável, diga-se, do ponto de vista deste latino escriba.

Pra eles, a privacidade, a intimidade, mesmo que num veículo de transporte coletivo, são valores inegociáveis. Puxar papo seria uma tentativa de violação destes valores.

Todos usam dispositivos móveis. A leitura, a informação, o entretenimento, a socialização, vêm via laptops, tablets ou smartphones [a cada quatro assentos há tomadas para recarregar os super-utilizados gadgets]. Algumas vezes a mesma pessoa usa os três simultaneamente. Definitivamente, o papel em livros e jornais caminha pra uma quase extinção nos EUA.

O cachorro, devidamente licenciado e documentado, também pode viajar acompanhando o dono. Nenhum latido, nenhum ruído. O animal é educado pra respeitar o código de conduta.

O bicho homem se acostuma, se adapta rapidamente com o diferente. Passados alguns dias, abasteci meu iPad com livros, jornais e revistas e, envolvido com a leitura, também comecei a achar que a privação do som ali nada tem de desconfortável. Bateu até a vontade de alugar um cão.

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domingo, 14 de abril de 2013

Aelton Flora

Aelton Flora

Nos anos 1980, a juventude de Sanja ia pra diversão e azaração nos históricos Bailes Eletrônicos promovidos pela CSB. A maioria deles era na Esportiva, mas o Recreativo e um modesto clube em Águas da Prata também, eventualmente, abrigavam os encontros sonorizados por César Gilmar Caslini e equipe com o melhor da música pop da época.

Quem frequentava aqueles bailes vai se lembrar de uma figura roliça, sempre solitária, de figurino apurado, que dançava com muito estilo, apesar do sobrepeso. Aelton Flora, ele mesmo, cujo nome tem um quê de artístico, monopolizava a atenção no salão.

Semanas atrás, tomando um shake-soja pra [tentar] mitigar o efeito das minhas homéricas comilanças, reencontrei Aelton Flora.

Ainda bem gordo, seus 150 quilos eram resultados de meses e meses de tratamento nutricional bancado por um grupo de empresários/comerciantes locais. Depressivo com rompantes autodestrutivos, ao iniciar o acompanhamento Aelton pesava 225 quilos.

Ele estava bem, feliz com o peso perdido. Em pouco mais de uma hora, me contou um pouco da sua vida, seus trabalhos, suas expectativas, suas frustrações, seus períodos de mais prostração. Seu bem-estar ali, no entanto, não escondia uma ponta de preocupação.

Desempregado e sobrevivendo com uma pensão do INSS, Aelton não sabia se continuaria o tratamento, pois o grupo que pagava seus suplementos se comprometeu a fazê-lo por um ano e, em coisa de semanas, os 365 dias já teriam se passado.

Hoje, no mesmo shake-espaço, soube que Aelton não mais atende aos chamados da pessoa que articulou a ação dos benfeitores em prol da sua saúde.

Difícil não pensar no pior, numa recaída. Difícil não ficar triste e evocar lembranças do Aelton, um sujeito ao mesmo tempo tímido, sorridente, carismático que ditava o ritmo dançante dos embalos de sábado à noite de 30 anos atrás.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Sovacos queimados e caipiras lesados

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Marcos Carioca é outro amigo que nos anos 1990 foi para os EUA em busca do sonho além-Crepúsculos. Como quase todos que emigraram, penou muito, padeceu pelos primeiros [duros, duríssimos] trabalhos, pelo desconhecimento do idioma e na adaptação com a cultura daqueles que não muito tempo atrás eram chamados de ianques. Ianque?! No mundo pós Guerra Fria acho que o termo ficou um tanto démodé. Tão fora de moda como o escrevinhador que assina estas linhas.

Como nem quase todos, Marcolino conseguiu o seu espaço e hoje está dignamente estabelecido com a família em Norwalk, Connecticut, ali nas cercanias de Nova York.

Cervejando dias atrás na sua morada, o amigo me municiou com algumas histórias hilárias sobre brasucas que, como ele, chegaram ao quintal do Tio Sam com poucas verdinhas, nenhum inglês, mas muita coragem.

Não raras vezes os aventureiros tupiniquins baixavam nas emergências dos hospitais com os sovacos em carne viva. Zelosos com o asseio pessoal, o desodorante era item essencial nas compras. Nenhuma boa alma os avisou que nem todo spray serve pra perfumar as axilas. Há alguns que são usados para firmar o cabelo das mulheres vaidosas e que ardem diabolicamente quando encontram pele. Não vou usar aqui a palavra laquê, que também está pra lá de démodé. E dá-lhe rima pobre!

Prometo, se o Marcolino me ajudar com mais munição, voltar aqui com outros deslizes pândegos de emigrantes.

Caipiras lesados, metidos a viajantes, também perpetram trapalhadas aos borbotões. Olha uma delas aí.

Aluguei o carro com o tanque cheio em Las Vegas. Parti pra Los Angeles e, depois de muito rodar por lá, fui dar combustível ao beberrão em Santa Monica, uma simpática localidade litorânea da Califórnia. Já sabendo do sistema self-service dos postos, cheguei pra abastecer com o roteiro mental pronto pra não dar nenhuma mancada.

De pronto a bomba não leu meu cartão de crédito e me mandou ao caixa. Sim, é isso, lá as máquinas mandam em você. Já fiquei meio puto pela escorregada do script, mas, vá lá, fui ao atendente, paguei, falei o número da bomba e pedi pra botar 40 doletas.

Crédito liberado e volto pra bomba. Disparo o gatilho umas dez vezes e nenhuma gota pra saciar a sede do azulão. “Caramba, merda, o que eu tô fazendo de errado?”, resmunguei

Pedi socorro a uns hispanos numa velha caminhonete e um deles, percebendo meu inglês sofrível, foi gentil no idioma ibérico:

—Que pasa, hombre?

Meu espanhol quase perfeito proporcionou isso:

—No pasa! No pasa mi cartón e la buemba no funciona!

Volto ao caixa e finalmente o funcionário sai do guichê, mexe na coisa e me absolve de qualquer responsabilidade. Minha primeira vez como frentista não foi das melhores, mas, acreditem!, a culpa foi do equipamento.

Em tempo: falei de spray aí em cima. Desodorantes e laquês têm suas serventias, mas o spray que ganhou minha adoração nos EUA foi o de manteiga. Prático demais pra untar assadeiras e sanduicheiras e, tirando a gordura, inofensivo para sovacos de forasteiros monoglotas.

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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Miguelzinho, o grande

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Do Brasa para os States. De São João para Connecticut. Brilha muito o Miguelzinho na gastronomia da costa leste dos EUA.

Miguelzinho é Miguel Angelo D’Onofrio, um moleque que cresceu maquinando traquinagens na então tranquilíssima Sanja de antanho.

Fisgado pela também macaúbica Gizeli Rossi, o casal foi para o altar no já longínquo 1987.

A inquietude de infância e adolescência não arrefeceu no jovem recém-casado. Buscando um maior conforto para a nova família, sem muitas perspectivas profissionais por aqui, ele emigrou para os domínios do Tio Sam na invasão brasuca do fim dos anos 1980, começo dos 90.

Pertinho de New York City, a rica cidade de Greenwich no estado de Connecticut foi o seu primeiro destino profissional em solo norte-americano. No restaurante La Strada, uma casa cinco estrelas do italiano Mike Mormando, Miguel laborou duro lavando pratos.

Observador e apaixonado pelas caçarolas, ele bebeu na fonte de Giuseppe Capobianco, o chef do La Strada que percebeu o talento de Miguel para a arte culinária e generosamente lhe ensinou vários segredos da boa cozinha.

Em Chicago, Mr. Mormando abriu outro La Strada e convidou Miguelzinho para comandar a cozinha. O trabalho foi bom, reconhecido pela crítica e público, porém o chef, depois de alguns meses, decidiu que a maior cidade de Illinois não era lugar pra ele viver com a família. Voltou com o clã para Connecticut, um estado com um nome complicado de pronunciar, mas muito bom pra viver.

Outros restaurantes vieram, sociedades feitas e desfeitas, altos e baixos, uma tentativa de voltar a viver no Brasil, desassossegos e experimentos.

Desse caldo de vida, dessa trajetória de trabalho, calos e glórias, hoje os D’Onofrio recebem em Westport os comensais no estabelecimento que é a realização do sonho da família: Rustico Trattoria. O local é muito bacana, aconchegante, com poucas mesas, perfeito para a cozinha “home made” que o chef propõe.

Dia destes, este caipira metido a cronista, aterrissou em Connecticut para degustar a obra do Miguel. Experimentei, e mais do que aprovei, o Orecchiete Toscano, uma pasta inesquecível puxada no alho e azeite, que também vem à mesa com figo seco, alcachofra e raspas de trufa negra. Resenhas da imprensa nova-iorquina colocam o prato como um dos 50 que você deve provar antes de morrer.

O sucesso do Rustico, algumas doletas no bolso, um Porsche conversível, as filhas casando e o filho Lucas herdando sua vocação sob a coifa.

Tranquilidade? Nada, nada disso! O homem é agitado e não sossega por nada.

Em busca de mais cultura gastronômica, Miguel esteve recentemente na Itália e aproveitou para pesquisar sobre os antepassados. Achadas suas origens, acreditem!, ele comprou a casa que pertenceu a seus avós.

Adquiriu o imóvel e já planeja morada e business na Velha Bota.

Grande Miguelzinho! Travessuras infantes nas alamedas mantiqueiras, a coragem para o exílio na América, o talento para vencer cozinhando, a inquietação de, beirando cinco décadas, atravessar o Atlântico para buscar sua história e, sabe Deus, ainda ter fôlego para novos projetos.

http://www.rusticotrattoria.com/

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sábado, 16 de fevereiro de 2013

China in Sanja

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Na Liberdade, em Sampa, sobrou apenas o prédio que abrigou o restaurante onde o moleque de 13 anos foi apresentado ao seu primeiro yakisoba. Desde então, lá se vão quarenta anos da paixão de Celso Zerbetto pela cozinha chinesa.

Casamento, filhos, trabalhos vários, aqui, acolá, uma invenção gastronômica lendária [clique aqui e conheça a história do Dona Lindona] e eis que no nascer deste 2013, vivas!, Celso inaugura o HaoChi, o restaurante sino-macaúbico em que ele propõe entregar nos sânjicos domicílios o melhor da culinária que o arrebatou ainda pré-adolescente na Pauliceia de tantos sotaques.


E por que empreender, Celsão?

“Em primeiro lugar, pelo prazer de cozinhar. Também pelo desafio de fazer profissionalmente a surpreendente e milenar cozinha chinesa. Aquelas comidas coloridas, saborosas e deliciosamente condimentadas. Aqueles pratos que me faziam caminhar quilômetros em São Paulo para encontrá-los. Meu primeiro trabalho na capital foi como office-boy. Caminhava pelo ofício e depois caminhava, caminhava muito, pelo prazer de experimentar acepipes chineses escondidos na imensidão da metrópole.

E, claro, fazendo bem o que me proponho, quero uma graninha extra. E quero a grana não como um fim em si mesmo. Com esse dinheiro quero viajar o máximo que puder, quero ir pra Turquia, quero ir pra China e conhecer in loco a comida que me fisgou há quarenta anos”.

E ele começou bem.

Suas obras, magistralmente executadas, chegam às mesas em elegantes e práticas caixinhas e acompanhadas dos indispensáveis hashis [pauzinhos].

O blogueiro ligou e pediu dois clássicos [yakisoba e frango xadrez] que não decepcionaram em nada: tamanho da porção, equilíbrio dos ingredientes, tempero e ponto de cozimento/fritura.

Em tempo: haochi significa gostoso, delicioso, em chinês mandarim

Em tempo 2: o HaoChi entrega de quarta a sexta-feira, das 19:00 às 22:30

Em tempo 3: cardápio, preços e telefone na página da casa no Facebook, https://www.facebook.com/haochibrasil

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