quinta-feira, 24 de março de 2016

Gun: projetos e panelas


Nem sempre a inspiração para lavrar vem em porções abundantes como nas linhas que seguem. Nem sempre o estímulo para a escrita brota da mistura de amizades da escola primária com comida que restaura e encanta. Nem sempre o lampejo para as letras salta da brava trajetória de um casal imigrante. Nem sempre...

Oliva Arias Garcia de Misa, a dona Bibi, esbanjando vigor e lucidez aos 88 anos essa espanhola de El Barco de Valdeorras, na Galícia.

Com o marido, Carlos Misa Gonzalez, que veio um pouco antes, e dois infantes, ela buscou nestes trópicos além-mar oportunidades de vida melhores do que na combalida Europa do pós-guerra nos idos da década de 1950.

A localização desta província de majestosos crepúsculos era interessante para o trabalho do marido, um itinerante vendedor de autopeças. Aqui dona Bibi fixou morada e criou os quatro rebentos, os dois que vieram da Espanha —Maria Soledad e Carlos Manuel— e mais dois nascidos às margens do Jaguari —Marcos Antônio e Luís Fernando.

O caçula do quarteto é o Gun, carinhoso apelido de família de Luís Fernando Misa Arias, amigo deste escriba desde o saudoso Joaquim José dos dançantes anos 70.

Diplomado arquiteto em Alfenas, Gun trouxe das Gerais alguns queijos, o canudo e a franco-mineira Tamara Moreira Swerts, uma paixão universitária que rendeu um casamento e o descendente Caetano, hoje com 12.

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O guloso escriba, dona Bibi e Gun: noite espanhola na Benedito Araújo

Nas reuniões familiares, sangria, jamón e afins, dona Bibi evocava as origens ibéricas através da mesa. Em mesa de clã espanhol, olé!, a paella agrada, aglutina e reina.

Gun, 46, influenciado por uma vida de generosas e aromáticas caçarolas maternas, decidiu cozinhar paellas como ofício. A prancheta não foi abandonada, mas a gastronomia das suas raízes absorve cada vez mais tempo, energia e dedicação.

Há poucos meses funcionando, abriu as portas em dezembro, a Divina Paella opera só no delivery e serve em Sanja essa maravilha culinária de Valência que tem fãs espalhados por todo o planeta.

Em tempo: se a valenciana pela tradição encabeça o cardápio, paladares ecléticos também têm vez com a mariñera e a caçador.

Em tempo 2: noite destas, tivemos, eu e Josi, o privilégio de provar a soberba paella do Gun, temperada com a gentileza e com as curiosas histórias dessa galeguinha simpática, dona Bibi.

Em tempo 3: Gun não é o primeiro herdeiro de dona Bibi a labutar para o bem comer. Marcos, o filho número três, é o exitoso empreendedor da Kuka Fresca, a rotisseria mais longeva da cidade, mercadejando consistentes sabores desde 1990.

A clássica paella valenciana