terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

X-curidão, o hambúrguer sinistro


A indicação da hamburgueria veio de uma pessoa que trabalha (bem) com gastronomia. Fomos os primeiros clientes da noite de domingo a chegar ao local, que fica numa rua tranquila do centro da cidade. Não há sinalização, a calçada é escura e a fachada carece de cuidados estéticos.


Na minúscula recepção, a adolescente, pés descalços na cadeira, está sentada à frente de um velho computador com teclado encardido e mouse seboso. Minha presença é solenemente ignorada pela jovem, que só tem olhos para o celular. O dono, também pouca idade, traça um burgão no estilo “nobre medieval devorando coxa de peru.”


“Não temos cardápio de papel. Entra aí no nosso Instagram que o menu tá lá.” “Então tá!”, respondo ao mancebo empreendedor que me deu o caminho da carta burgueira virtual enquanto mastigava e limpava a maionese escorrida no canto da boca.


No terraço cujo piso não é acarinhado por uma vassoura há séculos, não há mesas. Não há nada além de sujeira no chão e pífia iluminação. Misericordioso deste cansado glutão e sua consorte não tão cansada, o moço nos disponibilizou um puído e empoeirado tampo e dois banquinhos. Tudo o que a visão alcança é desolador: ferrugem, pintura descascada, plantas secas.


Fiz o pedido dos hambúrgueres agarrado à minha eterna crença de que boa comida redime pecadilhos, mau atendimento e desconfortos.


Um pouquinho mais asseado que o entorno, pedi o mapa do sanitário para lavar as mãos. “Entre naquela porta ali, cruze o salão, o banheiro fica à esquerda lá do outro lado.” A tal porta deu para um cômodo grande, sem luz. O vazio só não é absoluto pelo mobiliário empilhado num canto. O banheiro? Poupo quem lê de descrições escatológicas, mas uso aspas para reproduzir o que Josi disse sobre o toalete: “O horror!”


Os hambúrgueres? Nenhuma exclamação, mas nada errado. Boa carne e pão idem. Fritas sequinhas em enorme porção. Ketchup Heinz de sachê. Guardanapos não apareceram e a Coca veio quente. Sem guardanapos, voltei ao lavatório do inferno para tirar a gordura das mãos.


Comemos razoavelmente bem num estabelecimento que não mais verá a cara de bolacha deste cronista atormentado por pensamentos de uma cozinha que ele não viu.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Medieval Bier

 

Que surpresa! Que lugar! Que chopp artesanal! Que cardápio!
🍺🍺🍺
O curso de Medicina Veterinária trouxe Marcella aos Crepúsculos. O coração fez ela aqui ficar. Contingências da vida e de mercado de trabalho também trouxeram Márcio e Luciana —pais de Marcella— para as margens do Jaguari. De Araras, o torrão natal, vieram ainda ideias, uma vontade de empreender e a paixão pelo chopp Hausen. O Medieval Bier nasceu em 2021 deste mix de circunstâncias. Bar bacana, oito estilos de chopp, menu apurado, inspiração alemã, uma família que trabalha duro e atende com natural simpatia. Tomei vários chopes, um drink e devorei três itens da carta de acepipes. Tudo muito acima da média, mas meu paladar rodado obriga-me a mencionar explicitamente os pasteizinhos de vento com recheio de camarão e catupiry.
🍺🍺🍺
Medieval Bier
Cel. Ernesto de Oliveira, 204

São João da Boa Vista, SP




domingo, 12 de fevereiro de 2023

Spaghetti à carbonara — a "verdadeira" história

 

Anos 1940, a labuta era dura nas minas de carvão da Fonte Platina. A mulher Josiane preparava diariamente o embornal do operário Lauro Borges.


Certa manhã, despensa vazia, ela fez um catadão com o que foi achando na cozinha. Lauro levou para a faina um punhado de macarrão seco, dois ovos, nacos de barriga de porco curada da Cascata e queijo meia-cura do empório do Zé do Carlito. Um caldeirãozinho e uma pequena frigideira de ferro completavam o arsenal para aquele modesto mineiro matar a fome.


Na hora do rancho, o fogareiro cozinhava a pasta e frigia o toucinho enquanto Lauro agregou o meia-cura picado aos ovos batidos. Tudo junto e misturado no calor da panela, o trabalhador atacou com volúpia a inusual massa com ovos, queijo e porco.


Umberto Lino, o italiano colega de serviço, fez troça ao ver as cinzas de carvão caírem sobre o prato de Lauro Borges: “ma che cosa strana, carbone nella pasta, quello non è cibo, quella è carbonara.”


É isso, o resto é história de quem, hoje, coloca pimenta do reino para parecer fuligem de carvão.