domingo, 25 de fevereiro de 2024

O triunfo da borda tostadinha

Analu e uma de suas obras

Em Poços, frequentei o Katharino no começo deste século. Bar bacana, mainstream, lugar para ver e ser visto. Vou usar jargões da época para definir o público “katharinense”: mauricinhos e patricinhas. Tenho nenhuma lembrança do cardápio da casa, ou melhor, tenho uma única: o show pirotécnico que era a banana flambada preparada à mesa do freguês. O salão parava ante o espetáculo.


Ano passado, redondas e napolitanas razões levaram-me de volta à rua Santa Catarina. Ali, na esquina com a XV de Novembro, encontrei uma cena noturna bem diversa do extinto Katharino. Descobri uma Poços off-turismo, underground, colorida, alternativa. Ambiente multifacetado e ultrainformal. A cerveja artesanal (Borderbrew) é bebida ao ar livre, na calçada de piso irregular, enquanto playlists nada ortodoxas embalam os goles da etílica e democrática clientela.


O Bar XV de Novembro, botequim de estética old fashion, conserva o layout de priscas eras, mas o novo dono e jovens frequentadores estão em sintonia com a atmosfera plural do entorno. A taberna serve aqueles espetinhos do tipo churrasquinho de gato, cujo cheiro exalado faz o vivente perder a compostura.


O gentil atendente que mata minha sede na Borderbrew, Bruno, contou-me mais uma do pedaço: “Ovelha Negra é um pub bem legal. Rolam vários estilos de rock. Som no talo e uma discotecagem da hora”. Acho ousada e admiro a ideia, mas ainda não tenho o espírito liberto que me faça ser o tiozão roqueiro da pista. Pra ser sincero, nem sei bem o que é uma “discotecagem da hora”.


Voltemos então às redondas e napolitanas razões do segundo parágrafo. Elas são obras de Ana Luísa Scala, pizzaiola poços-caldense forjada em São Paulo na fantástica Iza Padaria Artesanal. Ela, vejam só, é filha dos donos do mencionado e extinto Katharino. “Eu meio que cresci inserida nesse meio”, assim Ana Luísa me responde sobre o estímulo para empreender no ramo gastronômico.


Era fim de 2022. Ela e o namorado Thom carregaram o carro em Sampa com forno, batedeira e outros utensílios. A proposta era fazer pizzas em pequenas reuniões privadas na cidade natal dela. Antes de caírem na estrada, o veículo estacionado na rua foi arrombado e todos os equipamentos foram furtados. Mantiveram o plano, mas recomprar o arsenal perdido foi necessário. As prestações das reaquisições foram pagas com a renda dos eventos que pipocaram com sucesso.


O êxito foi tal que abrir a pizzaria decorreu naturalmente. Tão natural quanto a longa fermentação e as bordas tostadinhas das impecáveis redondas da Furto Pizza. Sim, esse é o nome da rústica e despojada porta da menina Analu, que voou para estudar Gastronomia, cresceu e voltou às origens para assar espantosos discos napolitanos que fascinam todas as tribos.


🍕🍕🍕

Furto Pizza

Rua Santa Catarina, 663

Poços de Caldas, MG

De quarta a domingo, a partir das 18h 


 


domingo, 18 de fevereiro de 2024

É levain, uai!

 

Mineira de Viçosa, Carolina Riverin Cardoso mora em São João da Boa Vista desde 2014. Durante a pandemia, ela aperfeiçoou uma antiga paixão: fazer pães de fermentação natural. Os cursos on-line contribuíram teoricamente, mas a mão na massa foi o que elevou o trabalho dela a um nível excepcional. O que nem todos sabem, prestenção!, é que Carolina é doutora em Química.


A fermentação natural tem várias leveduras que se comportam de formas diferentes. Vai daí que ela, microscopicamente, entende melhor o processo e sabe fazer as correções necessárias para que das reações químicas resultem melhores pães. Então, seria difícil dar errado essa fórmula que mistura a alma das Minas Gerais, a cozinha afetiva e um profundo conhecimento técnico. Fico aqui a imaginar o que seria um pão de queijo dessa mineira, amante e estudiosa da panificação e PhD em Química. Deve ser um trem de bão!

🥖 🍞 🧪 📚 

Pão Rústico

Encomendas: 19 99644-7546

📔 ✏️ 

>> Italiano rústico

>> Italiano com açafrão e calabresa

>> Italiano com cacau, recheado com gotas de chocolate e nozes

>> Italiano multigrãos

>> Filão recheado com azeitona

>> Pão de milho

>> Focaccia de tomate

>> Cinnamon roll

>> Grissini

>> Massa de pizza

HaoChi — Jajangmyeon



O programa da Netflix impressionou-me pelas lindas imagens e pelo conteúdo histórico do prato coreano de origem chinesa. Mas o que mais me impressionou, uia!, é que a iguaria de nome impronunciável mostrada eu já conheço de São João, eu já conheço do HaoChi. Por razões que aqui não cabe discutir, você que lê o post tem alguma predisposição a nem experimentar qualquer comida que seja um pouco fora do convencional ou de alguma etnia culturalmente distante da nossa. Eu só peço: prove o jajangmyeon ou qualquer outro prato do HaoChi e depois venha aqui me contar. Pasta preta de feijão (ou soja) com carne combina com macarrão oriental frito? Combina muuuito, pode acreditar!

🇨🇳 🇰🇷 🇯🇵 🇻🇳 🇹🇭

Av. Durval Nicolau, 445

São João da Boa Vista, SP

De quarta à sábado, das 18 às 23h

19 99397-8825

sábado, 10 de fevereiro de 2024

Panedota


 A casa antiga no Centro da cidade é daquelas sem recuo frontal cujas grandes janelas praticamente integram rua e interior. Conheci o lugar em meados da década passada, por indicação da amiga, padeira e arteira Dri Torati. Desde então, raras são as vezes em que passo por Poços sem trazer os fantásticos pães da Panedota. Mais ainda: há dias em que subo a serra exclusivamente para abastecer-me das baguetes de lá. Baguetes, diga-se, que têm nome e formato francês, mas é a Itália que inspira textura, massa e sabor.

Ex-advogada, a hoje artista da panificação artesanal Fábia Batel consolidou a padoca brincando sério com levain. E da brincadeira (leia-se milhões de testes) com fermento, farinha, outros ingredientes, clima e temperatura de forno, saiu um saudavelmente mutante portfólio de delícias. Além da queridinha baguete, este fonteplatiner e glutão incurável pode mencionar croissant, brioche (hoje comi um com creme de queijo meia-cura e pupunha), focaccia, galette, cookie, brownie… Quer mais? Vai lá, porque naquele ambiente cheio de graça, que tem um dos melhores aromas do mundo, também há mesinhas pra curtir café e paladares in loco.



🥖 🍞 🥯 🥐 🍪

Panedota

Rua Barão do Campo Místico, 34

Poços de Caldas, MG

De segunda a sábado, das 11 às 18:30



Pedal & Açaí

 

Diletante ciclista que sou, mais instagrammer do que atleta, conheci o Guigo na oficina que funcionava na Washington Luís, ali onde hoje é o Armazém Dezoito86. O cara, além de ser conhecedor de bikes e de tudo o que cerca o mundo do pedal, é gentil, fala bem e tem uma rara noção de bem atender a clientela. 


Guigo é o pratense Luis Carlos Batista, cinquenta de idade e trinta e dois de bicicletaria. No meio da pandemia, ele mudou de endereço e expandiu o negócio. No mesmo espaço, agora, o freguês compra um câmbio Shimano e se delicia com o melhor açaí. A esposa Gisele, cuja família tem know-how na manipulação da fruta amazônica, carrega a cultura de preparar a pasta sem qualquer espessante ou aditivo químico. Misturado ao xarope de guaraná, o sabor é encorpado, bem diferente dos aguados encontrados por aí. 


Tem quem goste de Nutella, leite condensado, Ninho e outros paranauês. Não é o meu caso, açaí do Lauro só combina com morango, abacaxi e banana. Ah!, e também combina com um pedal bem leve.


🍒🚴🍒🚴

Estação Açaí Prata & Reference Bike

Av. Armando Salles de Oliveira, 93

Águas da Prata, SP

19 99766-9910 e 19 99473-2969

Oficina do Adauto

 

Apaixonado por carros, o descendente de suecos Carlos Backström fundou em 1926 aquela que é uma das oficinas mecânicas mais antigas de São João da Boa Vista. Se não foi a primeira, certamente foi a que funcionou por mais tempo. O lendário estabelecimento da avenida Tereziano Valim, também foi comandado por Valdemar, filho de Carlos, quando o pai adoeceu.


Em 1943, chega para trabalhar na oficina o homem que marcaria para sempre a província dos Crepúsculos Maravilhosos. Então com dezesseis anos, Adauto Eduardo Falavigna foi contratado por Valdemar Backström para aprender o ofício de manter e reparar motores veiculares.


O jovem aprendiz ganhou mais do que uma profissão. Adauto conquistou também o coração da filha do patrão. Em 1956, Izamar subiu ao altar com o já experiente mecânico. Tiveram três filhos, Adauto Filho, Cecília e Ricardo. Com mais de duas décadas na labuta, em 1967, Adauto comprou definitivamente o negócio.


Criado na graxa e no meio das ferramentas, o primogênito Adautinho conseguiu ser ainda mais precoce do que o genitor. O menino começou a fuçar nas máquinas aos doze. E não parou mais.


Adauto pai, o maior são-paulino deste torrão macaúbico, deixou sua Variant azul para um dos netos e foi consertar trenós celestiais em 2022, depois da façanha de suar por setenta e nove anos ininterruptos na oficina da Tereziano Valim.


Neste fevereiro de 2024, quando a empresa completa noventa e oito verões de funcionamento, o ciclo se encerra. A família decidiu vender o prédio e, Adautinho (foto), sessenta e quatro no lombo, até o último freguês honrou as quatro gerações que marcaram a história do comércio nestas margens do Jaguari. A Oficina do Adauto, digna, triste e irreversivelmente, está de portas baixadas. 


segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Da Fonte Platina ao Alaska

 

Alice, bióloga, viajante e sonhadora, iniciou o projeto em 2020, quando comprou a Kombi e começou a reformá-la. Ariela, arquiteta e também bióloga, chegou em 2022 na vida de Alice, embarcou na ideia e botou fogo pra coisa acontecer. 


Na próxima quarta, sete de fevereiro, elas e o cão Alvim sairão da Fonte Platina, onde a mãe de Ariela mora, rumo a Ushuaia. Mas o plano é bem mais ousado, do extremo sul do continente, o roteiro só terminará na outra borda das Américas, no Alaska. 


A Kombi amarela, totalmente adaptada, tem cama, fogão, geladeira, aquecimento, energia solar e internet via satélite. É nela, na KombiOffice, que elas continuarão o trabalho de assessoria para uma ONG. 


Como mulheres, Alice, 36, e Ariela, 33, ouvem toda hora questionamentos do tipo: “mas vocês vão sozinhas?”, “não têm medo?”, “e se a Kombi querbrar?”. Sim, há naturais medos e receios, mas nada com o poder de paralisá-las. Alice diz: "Temos medo, mas vamos em frente mesmo, pois nada nem ninguém nos impedirá por sermos mulheres."


Do Instagram delas, @dekombi_pelomundo, roubei a frase que segue: “Um dia é preciso parar de sonhar e, de algum modo, partir.”

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Molejo sueco

 

“Senhor, no preço do ingresso está incluído o abadá.” 

Na minha absoluta ignorância carnavalesca, pensei que o tal abadá fosse algo como uma túnica tribal de algum povo da África, um traje feito com tecido leve, confortável, pra gente se jogar na folia momesca. Nada disso! O famigerado abadá era uma camiseta de fibra sintética cujo tamanho é o da opressão. É óbvio que escolhi o abadá G, que, na real, não passa de uma peça M no limite do P+. 


Como não fui agraciado com o corpo de um deus grego, nem faço esforço pra tal, tive que recorrer à Santa Dina da Tereziano Valim. A artista da costura customizou minha vestimenta para adequá-la a meu generoso diâmetro. Ganhei, com a ampliação do abadá, laterais e axilas arejadas proporcionadas por um pano cheio de furinhos. Dina chegou a aventar a possibilidade de tirar as mangas da coisa, deixá-la cavada, ao gosto dos saradões. Melhor não, há que se preservar um mínimo de dignidade. 


Dignidade, diga-se, mantida até certa hora. O open bar e a companhia de amigos jogou este cronista da MPB e do jazz à pista do samba carioca e dos baianos do axé. Arrisquei coreografias com meu molejo sueco, abusei daqueles infames rodopios com os indicadores em riste, até fingi (mal) que sabia cantar todas as músicas. Minha performance seria melhor se “Mamõe Eu Quero…” e “A Cabeleira do Zezé” estivessem no repertório. A “Pipa do Vovô” não sobe para as gerações do “Bonde do Tigrão”. 


Vale registrar que a festa foi bem organizada. A equipe de bombeiros estava de prontidão para qualquer eventualidade. No entanto, o batalhão não estava preparado para salvar os presentes da visão de um sujeito descoordenado pagando micos sem intervalos.