quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Aylan

aylan

Tênis, bermuda azul-marinho e camiseta vermelha vestiam o corpinho de três anos de Aylan Kurdi, o garoto sírio cuja foto correu o mundo esta semana mostrando-o morto numa praia turca.

Aylan acompanhava sua família que, como tantas outras, buscava desesperadamente uma acolhida do Ocidente para fugir do regime de miséria, opressão e terror que castiga há muito a Síria.

O cadáver da criança refugiada, uma imagem tão triste quanto chocante, é uma das coisas que nos faz crer nos descaminhos irreversíveis da humanidade. É fato, nós erramos.

Lamentos sinceros povoaram as redes sociais. Alguns, ante o impacto do retrato, preferiram contestar a pertinência de publicá-lo.

Publicar e compartilhar, sim.

Que o simbolismo agressivo da imagem chacoalhe a opinião pública europeia. Que ela acorde definitivamente para a questão e pressione os governantes. Que estes pensem nada em cifrões e só no viés humanitário. Que eles sejam sensíveis aos gritos de socorro dos desterrados.

Bandeiras fortes como a foto de Aylan, sim, têm o poder de mudar o curso da história. Vide a foto de 1972 daquela menininha vietnamita correndo nua após um bombardeio na sua aldeia.

Os Kurdi, Aylan, a mãe Rihan e o irmão Galib, tombaram em fuga.

Fuga da guerra, fuga do estampido impiedoso de fuzis e canhões, fuga das privações das necessidades mais básicas, fuga do medo da mão pesada da ditadura.

A consciência planetária pesa como nunca. Fomos incapazes de segurá-lo.
Fomos incapazes de acolhê-lo. Fomos incapazes de proporcionar a ele uma sobrevivência digna. Fomos incapazes de lhe dar a expectativa de um futuro menos cinza.

Rabisco estas linhas revendo dolorosamente a foto a cada parágrafo. Minha dor é nada perto da realidade das hordas de Aylans que perecem por aí, no mar, na escuridão e na falta de horizonte.

Naquela areia quente em Bodrum, de bruços e sem vida, Aylan Kurdi nos mostrou de forma dura e inequívoca que um pouco do mundo, também prostrado e de bruços, morreu ali. Levaremos para sempre o calor incômodo da areia nas nossas caras.

Abdullah, o pai, único da família a sobreviver ao naufrágio, não se perdoava: “Meus filhos escorregaram das minhas mãos”.

Escorregaram, sim, Abdullah. Das mãos débeis e sujas do mundo.

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