sábado, 3 de agosto de 2013

Aquele abraço!

vila do zeca

Nativo deste torrão de tantos talentos, o menino crepuscular cresceu nos antiquíssimos bairros do Rosário e Pratinha.

O gosto pela arte culinária sempre existiu, mas dele nunca decorreu nenhuma pretensão profissional. Mais velho de três irmãos, Muriel Filho, ainda criança, ia às panelas para saciar sua fome e dos dois caçulas. A necessidade do primogênito, que via os pais saírem cedo na busca do sustento da prole, o fez aprender a se virar no trivial da refeição cotidiana.

Na adolescência, a proximidade com a cozinha como meio de vida aconteceu intensamente: o pai, nos anos 1990, foi proprietário de uma rotisseria na rua Getúlio Vargas, a Sabor & Cia. Entregas em domicílio e compras de ingredientes eram as atribuições dele no estabelecimento da família. À época, fissurado por rodeios, Muriel não quis saber de trocar as montarias pelo fogão.

Vinte e poucos anos e o namoro com uma garota cuja família era habitué da boa mesa foi o estímulo para ver a comida sob uma ótica mais sofisticada. Os sogros, percebendo a habilidade do genro nas caçarolas, o incitaram na exploração de aromas e temperos. A despensa bem abastecida da residência foi fundamental para o apuro nos ofícios de fazer e servir.

O sopro foi forte o suficiente para trazer aos sânjicos a Confraria Olga, um restaurante pequeno, íntimo, que atendia vinte comensais nas noites de sexta e sábado. A vocação inequívoca foi, aos poucos, perdendo os timbres amadores. Essa lapidação derivou muito de saudáveis apontamentos críticos dos clientes. Pastas frescas —com o pedigree do gênio cantineiro Carlão Cardo—, peixes e frutos do mar compunham a linha mestra da carta de prazeres da casa. E o deleite vinha na simplicidade de um fettuccine ao azeite sob generosas porções do essencial grana padano. E vinha também no requinte de um robalo grelhado no molho cítrico acompanhado de farofa de pão com trio de cogumelos.

Rupturas vieram: fim do chamego e fim do ciclo da Confraria.

Vida que segue. E seguiu no O Grotto, aconchegantemente instalado na belíssima Pousada do Bosque. Consolidado na cena gastronômica de Sanja, Muriel tocou o empreendimento por seis meses. O fechamento prematuro sucedeu do conflito do funcionamento da taberna com a agenda de eventos do local.

A carteira assinada no Spaço fluiu positivamente nas experiências gerenciais e no convívio inspirador com Dona Salma e Fábio Perez.

O labor com essa dupla tão competente no engenho do bem nutrir acabou. E rematou com a proposta de um Big empresário: Rafael Antonelli. O guaçuano supermercadista aterrissou nestas margens do Jaguari botando pra quebrar. Vultosos investimentos num mega centro de compras revitalizaram uma área degradada da cidade. E no entorno da loja os negócios pululam: banco, lotérica, café, fast-food, perfumaria, farmácia e... a Vila.

Martinho da Vila e Zeca Pagodinho são símbolos de brasilidade, de informalidade. São ícones da alma botequeira, do jeito despojado de bem receber. Sobre esse conceito, Rafael e Muriel —com o perdão da rima pobre— engendraram a Vila do Zeca, um bar que oferece croquete, pastel, polenta e cachaças de responsa. Um botequim samba-jazz ornado com mobiliário bacana e detalhes acolhedores. Uma tasca ajeitada com toques ecumênicos que tem ainda hambúrguer caseiro, bruschettas, cervejas importadas e um sanduba que simboliza à perfeição essa mescla de opções, o Sertanejo, um acepipe em que o pão francês abraça dignamente a linguiça artesanal, o queijo, o tomate e a rúcula.

E quem ama esse pé da Mantiqueira também deve se sentir abraçado. Abraçado pela capacidade realizadora de Rafael Antonelli e pelo instinto criativo do chef Muriel Filho.

Saúde!

http://www.viladozeca.com.br/

croquete

4 comentários:

Lucelena Maia disse...

Lauro, bom dia,

Que passeio delicioso você fez pela história gastronômica de SJ. Excelente texto. Guarde-o para nossa próxima revista. Acho que merece fazer parte da 2ª Edição de ARCA, pelas boas citações e principalmente por esse moço tão competente de nome de artista, Muriel.

JB Scannapieco disse...

Um abraço e parabens pelo que escreve. Nos toca muito!

JB disse...

que beleza de homenagem! Parabéns, meu amigo e felicito tb nosso amigo Muriel por sua competência e simpatia. Abraços para os dois!

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Meu caro escriba, uma das coisas que mais adoro nessa visa é pimenta - e essa do Zeca me parece transcendental. Parabéns ao Muriel pelos acepipes e a você pelo texto. Abraços tereziânicos.