quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Bento Experidião

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Imigrante libanês, o pai entrou no Brasil pela fronteira com o Uruguai. Tinha como referência alguns primos já estabelecidos em Cruz Alta. Nesta cidade do noroeste gaúcho, Hassem Experidião recebeu auxílio de parentes para começar a ganhar a vida naquilo que está no DNA dos árabes: vender.

Andejava por todo o Rio Grande do Sul, mascateando roupas, tecidos e armarinhos. Num destes périplos mercantes, conheceu aquela que seria sua esposa, Maria Fernandina. O casal trouxe ao mundo quatro filhos. Bento foi o caçula, irmão de três mulheres.

Bento pouco conheceu o pai, que morreu precocemente quando o filho mais novo ainda não tinha completado três anos.

A tradição libanesa privou o menino do convívio com a mãe. Separado das irmãs, ele foi criado por um primo do pai.

Aos dez anos, em razão do convívio difícil com a mãe postiça, Bento foi acolhido carinhosamente pela família de José Inácio Zenon, seu melhor amigo. Os Zenon, do patriarca Benjamin, eram proprietários de uma churrascaria. Bento mostrou sua gratidão labutando no estabelecimento de quem lhe deu teto e afeto. Lavar espetos foi sua primeira função. Dedicado e observador, não demorou a aprender os ofícios de assar e servir. Sua polidez e eficiência conquistavam os devoradores de carne. Fazia um bom dinheiro com gorjetas. Já envolvido com a arte do fogão, das bandejas e da boa comida, o garoto, então com doze anos, começou a sonhar com o trabalho na trattoria de Ettore Bonesso, à época, o melhor restaurante de Cruz Alta.

Em localidades pequenas, notícias pululam nas esquinas. E a vocação de Bento chegou aos ouvidos do italianíssimo Bonesso, que logo o convidou para entrar no mundo maravilhoso das pastas. As lasanhas protagonizavam o cardápio da trattoria.

Generoso, Benjamim Zenon não só abriu mão do seu competente auxiliar como incentivou-o a correr atrás do sonho. E mais: permitiu que Bento continuasse a morar com eles.

Com apenas doze anos, o filho de Hassem Experidião foi admitido como garçom numa das melhores cantinas do interior gaúcho. Do salão para a cozinha foi questão de pouco tempo. A gastronomia estava cada vez mais entranhada na vida dele. Sugava o que podia para aprender mais e mais.

A trajetória de Bento na trattoria terminou com o fechamento dela. Ettore Bonesso baixou as portas para acompanhar a filha a Santa Maria, onde ela cursaria a universidade.

O menino de Cruz Alta tinha quinze anos. Não tardou o surgimento de nova oportunidade no ramo que já o arrebatara definitivamente.

No Kalesch, teve o primeiro contato com pratos da alta gastronomia. Entre tantos clássicos, o menu internacional da casa servia coq au vin, boeuf bourguignon...

Essa cozinha requintada era comandada pela analfabeta e alcoólatra Rosa. Ela sabia tudo e mais um pouco e não economizou nos ensinamentos ao discípulo dedicado. A cozinheira recitava um mantra: “Cozinha que se preze tem que ter sempre água quente”.

Água fria na cabeça, Bento recebeu com pouco mais de ano no Kalesch. Wilson, o proprietário, perdeu o jovem profissional por ser inimigo do respeito e das boas maneiras.

Cruz Alta tornara-se miúda demais para as habilidades dele.

Gramado, na turística serra gaúcha, seria um destino perfeito para novos desafios em todas as funções dos operários do bem comer e beber. E assim foi.

Sua carteira de trabalho recebeu o carimbo do cinco estrelas Serra Azul, cuja cozinha era comandada pelo autoritário e muito competente chef Alejandro Diaz. Ali, apesar da dificuldade de comunicação com os colegas —só se falava alemão—, Bento foi agraciado com mais doses de conhecimento. Bem cedinho, antes da brigada alemã chegar, Dom Alejandro Diaz catequizava o promissor cruz-altino com segredos e macetes do sucesso nas caçarolas.

Dominando todos os fundamentos do bem cozinhar e servir, era hora de um aprendizado mais formal para mesclar com a prática. E foi no SENAC do Grande Hotel São Pedro que ele, aos 18 anos, mostrou suas virtudes fora das fronteiras do Rio Grande do Sul. Suas aptidões e empenho desmedido proporcionaram um estágio em toda a área de alimentos e bebidas do complexo São Pedro. Foram dezoito proveitosos meses no interior de São Paulo.

Da minúscula Águas de São Pedro foi alçado ao topo, literalmente, da maior cidade do país. Em 1975 foi ganhar e servir o pão no Terraço Itália, alto também na qualidade do serviço e da comida. No Terraço, conheceu gente importante e aumentou sua rede de contatos.

Na capital gastronômica brasileira, emprestou sua capacidade de trabalho a várias mesas sofisticadas, entre elas o conhecido La Tambouille do não menos conhecido Giancarlo Bolla.

Em todos os restaurantes, para não perder os cacoetes de todas as áreas do ofício, combinava com os chefes para, num dia da semana, inverter as funções.

Por curtos períodos, Maceió e Foz do Iguaçu também hospedaram e aplaudiram o engenho incomum de Bento Experidião.

Em 2003, por conta das origens da esposa Ivone, teve a ousadia de fincar em Espírito Santo do Pinhal o Opção Trattoria Bar, um restaurante com uma proposta ambiciosa para uma cidade de menos de 50 mil habitantes.

Foram nove anos deleitando paladares, formando talentos —Alessandra Lourenço é o maior exemplo— e consolidando um conceito de alta gastronomia em Pinhal e região. Descobrir, formar e lapidar gente com vocação para as panelas, diga-se, foi uma marca que o chef deixou nos lugares onde passou.

Nos idos de 2012, Bento resolveu vender a cria e migrar para a aldeia dos Crepúsculos. E nela, São João da Boa Vista, uma nova cria: o Bento’s, uma casa aconchegante, contemporânea, que sintetiza nos mínimos detalhes a trajetória notável deste obcecado pela excelência no fazer e satisfazer.

Numa época em que jovens chefs enxergam cores berrantes em felinos e pensam mais no marketing de suas esquisitices, sou mais o Bento que, discreto, peleja duro sob a coifa para honrar e perpetuar a clássica e irresistível boa mesa.

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Em tempo: O chef apresentou a sanjoanense Jéssica Taynara (foto) ao blogueiro. Mais uma preciosidade gastronômica da escola Bento Experidião. A garota —em fase de polimento— promete.

5 comentários:

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Saborosa lavra, amigo escriba! Sucesso ao Bento em sua incursão gastro-crepuscular! Abraços.

Monica Smith disse...

Estava procurando por este restaurante! Foi recomendado por uma médica, mas não consegui achar o endereço no Google, ou em qualquer outro site de SJBV. Obrigada!! Agora vou experimentar.

Monica Smith disse...

Aliás, qual é o endereço??? Ou telefone. Obrigada.

Lauro Augusto Bittencourt Borges disse...

Mea-culpa: o jovem chef pode até colorir de verde-limão o leão dele. Ele pode. Ele é excepcional na sua proposta e tem o direito de fazer ou não fazer o marketing que quiser. Existe espaço pra todos. Abençoada seja esta Sanja que tem Bento Experidião, Gabriel Vidolin, Eduardo Pradella, Celso Zerbetto... Cada um cumpre com maestria o que se propõe... Extasiado aqui com O Leão Vermelho.

Roberta Sucupira disse...

TIM TIM! Empreender e vencer são "verbos" para pessoas determinadas Parabéns Bento, parabéns Lauro pelo artigo.