quarta-feira, 27 de março de 2024

Garimpeiros de letras e sabores

 

Liliane Ormeneze, Josi Borges, Lauro e Luciano Mussolin

 Filhos de imigrantes italianos, Owen Ranieri Mussolin e Fanny Viti vieram de ancestrais que habitavam o mesmo pedaço de chão: a Toscana. Mas foi em Poços de Caldas, na década de 1950, que eles se conheceram. O encontro deu-se na então Chácara Guarani, onde a família Viti produzia o vinho Carlos Gomes, cujo rótulo homenageava o ilustre compositor campineiro. À época, o espaço era um dos pontos turísticos mais frequentados da cidade, paragem de amigos, prosa, flertes, taças e petiscos. Essa mistura prazerosa juntou os jovens Owen e Fanny, que se casaram em 1953 e deram ao mundo Luciano, Adriano, Sandra, Paula e Flávia.


Funcionário do Banespa, Owen decidiu conciliar as lides bancárias com uma paixão: o cruciverbalismo. Associado a dois colegas de trabalho, ele fundou A Recreativa, editora especializada em palavras cruzadas. A ideia veio da percepção de um nicho inexplorado no Brasil. Owen brincava com seu passatempo preferido em revistas estrangeiras.


Logo nos primeiros meses, os sócios desembarcaram da empreitada e o neo-empresário se viu sozinho entre a labuta no banco e a arte cruciverbalista (que vocábulo lindo!). A qualidade das criações cruciverbais (que sonoridade!) era notável, o que fez A Recreativa se consolidar no mercado num curto espaço de tempo. O negócio cresceu tanto que o patriarca colocou seus meninos na faina. Luciano e Adriano também se apaixonaram pelo garimpo vocabular. Garimpo vocabular, convenhamos, também é belo.


Corta para meados de 2008, por aí. Luciano, já cruciverbalista consagrado, propôs às tias Yolanda e Annita alugar o casarão da legendária Chácara Viti (antiga Chácara Guarani mencionada no primeiro parágrafo). Elas, que viviam dos doces caseiros e do pomar da propriedade, estavam com dificuldades no próprio sustento. As irmãs aceitaram e liberaram parte do grande imóvel ao sobrinho inquilino. Luciano Viti Mussolin, a mana Flávia e o cunhado Gabriel Bertozzi, preservando os barris de madeira e a alma da velha residência, inauguraram um charmoso empório para turistas. Como o genitor nos primórdios d’A Recreativa, Luciano viu os parceiros saírem da firma. Organicamente, a mercearia virou o restaurante que entraria para as antologias poços-caldenses. Nascia o Ollivia.


Conheci a casa ainda fresca, num jantar memorável concebido pelo chef Henrique Benedetti. Impossível não se sensibilizar com a experiência proporcionada pelo cozinheiro de pouca idade que perpetrava elegância e sofisticação com ingredientes dos arredores. Impossível não se sensibilizar com a amabilidade ímpar de Luciano e da mulher Liliane Ormeneze naquele prédio histórico, no qual as paredes testemunharam trajetórias de luta e mesas fartas de um clã que cruzou o Atlântico em busca da terra prometida.


Corta para meados de 2023, por aí. Rubens Mussolin Massa, empreendedor nato, docente na FGV, que iniciou a trilha profissional n’A Recreativa aos quinze anos e comprou a marca aos trinta e poucos, foi procurado pelo tio Luciano. Este, por circunstâncias particulares, queria vender o Ollivia, mas o desejo maior era legar o conceito gastronômico e a beleza do torrão dos Viti a alguém do sangue, alguém que tivesse respeito por tudo o que foi ali vivenciado e construído ao longo de mais de século.


De pronto, Rubens rechaçou a oferta com um protocolar “vou pensar”. Um retiro por algumas horas no Cristo de Poços e marteladas afetivas fizeram-no refletir, de verdade. No último inverno, o acelerado Massa assumiu a oportunidade negocial conectada a um genuíno apelo emocional. Nascia um novo Ollivia.


Nascia um Ollivia preponderantemente italiano em reverência aos antepassados Viti Mussolin. Nascia um Ollivia dos vinhos exclusivos que recebem nomes de familiares. Nascia um Ollivia classudamente musical. Nascia até um filhote napolitano, o cantineiro Ollivino, que forja pizzas com o rigor culinário do sul da Itália.


Corta para vinte e dois de março de dois mil e vinte e quatro. À primeira brisa do outono, entre relatos entrelaçados, o repasto com amigos no restaurante icônico foi um banquete de bem-estar para o espírito, onde, ao som do melhor jazz, os sabores da comida, o cheiro da chuva e o bouquet de Baco se misturaram com intensas memórias compartilhadas. No Ollivia, sob dezenove graus que refrescaram até a lava do vulcão. No Ollivia, cujo cardápio elenca tanto aromas quanto História(s).


🍷🍝 🍷🍝

Ollivia Gastronomia 

Av. João Pinheiro, 1135

Poços de Caldas, MG

Almoço, terça a domingo 

Jantar, quinta a domingo


O acelerado Rubens Mussolin Massa e o cronista 

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