— Mãe, podemos nadar na piscina do tio Xixo? —pedia a caçula Elena à matriarca, dona Augusta.
— Podem, mas só depois das dez. Primeiro, venham me ajudar com os doces.
Um tanto contrariadas, as crianças, em férias de verão, invadiam a cozinha da Fazenda Chiqueirão para descascar goiabas, bananas, peras, marmelos, figos; despejar açúcar, mexer o tacho, envasar, embrulhar...
Assim, Elena Stein Carvalho Dias e seus nove irmãos cresceram, aprendendo as durezas e as belezas do fogão materno, de onde também saíam bolos, pães, queijos e toda sorte de iguarias típicas das roças de antigamente.
A televisão só chegou à casa de Ernesto Carvalho Dias —o pai— quando Elena tinha quatorze anos. Sem TV, a criançada corria pelos campos, subia em árvores, se deliciava no pomar, brincava, lia, admirava a mãe pintando —dona Augusta relaxava com pincéis e telas.
A prole também testemunhou o sucesso do trabalho do genitor, que se tornou o maior produtor de leite de gado Caracu do Brasil. As 1.600 cabeças da propriedade são totalmente criadas no pasto. Desde 1947, o rebanho é fechado, ou seja, não entra nenhum animal de fora, e a reprodução utiliza apenas touros do próprio plantel, o que proporciona uma padronização genética dos bovinos da estância de 400 alqueires. No limiar de um século de jornada —ele faz 100 em maio próximo—, seu Ernesto continua ativo, dominando os números e outras variáveis do negócio.
Elena saiu de Poços ainda adolescente. Aos 16, que choque térmico!, foi cursar o último período do ensino médio em Ribeirão Preto. Logo depois, sentou-se nos bancos universitários em São Paulo para conquistar o diploma de Artes Plásticas pela FAAP. A faculdade foi interrompida por dois anos, quando ela viajou para o Canadá na bagagem da irmã mais velha, Matilde, cujo marido, engenheiro, conseguiu uma colocação profissional em Vancouver.
Na volta à capital paulista, Elena uniu a influência culinária de dona Augusta, a vocação artística e algumas receitas canadenses para empreender num ateliê de bolos sofisticados. Por mais de uma década, ela literalmente meteu a mão na massa e encantou uma clientela de paulistanos exigentes.
A avançada idade dos pais —dona Augusta também chega aos 100 neste 2025—, um chamamento sentimental das raízes e o companheirismo do parceiro de vida, Fernando, fizeram a poços-caldense retornar ao solo vulcânico natal. Era 2018.
O então “menino” de 93 anos, seu Ernesto, incentivou sua menina: “Elena, nosso leite é bom, gordo, forte. Vá depressa fazer queijo.” Ela foi.
O arquiteto Fernando Costa Sousa abraçou o projeto da mulher e imergiu no universo queijeiro da Canastra. Ganharam o pingo e começaram a produção no embalo: testando, aprendendo, errando, conversando com produtores experientes. O terroir vulcânico, não sem muita pesquisa, vingou. A queijaria artesanal Pátio de Pedra nasceu para ser o único selo brasileiro que fabrica queijo de leite 100% da raça Caracu.
A coisa deu tão certo que os clientes iniciaram um desembarque intenso na Chiqueirão para adquirir o queijo cuja fama se espalhava rapidamente pela região. Café e pão de queijo entraram no cardápio da lojinha por clamores da freguesia, seduzida pela atmosfera rural do lugar.
Queijo curado, café coado e pão de queijo assado. Precisa mais? Elena, novamente iluminada pela cozinha da mãe e pelo tempero da existência, achou que sim, o menu poderia ser maior e melhor.
Tirando o pão de lenta fermentação da padaria Nita, tudo o que é servido no Pátio de Pedra é feito ali mesmo: bolos, doces, coalhada, geleias, quiches, pão de queijo etc. Uma combinação caseira e harmoniosa de aromas, cores, texturas e sabores.
Dessa forma, entre memórias afetivas, paladares ancestrais e a força das origens, Elena transportou o passado para o presente e fez da queijaria não apenas um comércio, mas um acolhedor refúgio onde o queijo descansa e as panelas borbulham, fermentadas por histórias, ternura e tradição.