quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre trilhos, patetices e civilidade

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Grand Central Station, primeiro dia. O provinciano compra o tíquete para East Norwalk, pergunta dez vezes ao bilheteiro qual o número da plataforma [track] de saída e, prudente, se dirige a ela com 15 minutos de antecedência. Track 26, ou coisa parecida.

Segundo dia. Quase nativo, vestindo um gorro com as iniciais NYC, andando com a ginga de um negão do Harlem e um sentimento de "tá tudo dominado", a passagem na mão é a segurança para perambular pela belíssima estação e só descer à plataforma no último minuto da prorrogação.

Não, seu aparvalhado!, a track de saída varia diariamente e há que se confirmar no painel o número conforme o horário de partida. Não, seu desnorteado!, presta atenção que a Quinta é um pouquinho diferente da Dona Gertrudes.

Uma desvairada correria e muito suor para chegar em tempo à plataforma correta [track 107, ou próximo disso] foi uma pedagógica lambada pro matuto deixar a sabichonice de araque e tomar as precauções necessárias para que uma pequena macaúba tenha o mínimo de percalços na Grande Maçã.

E, heroicamente embarcado, vamos para o interior do trem.

O silêncio no vagão é incômodo.

Absortos nos seus problemas, alegrias, expectativas, frustrações, os passageiros não conversam entre si. Se o fazem no celular, o tom de voz soa num volume absurdamente civilizado.

Imagino que muitos tomam o trem no mesmo horário e até se conheçam, mas a cultura os trava pra jogar conversa fora e tornar a viagem mais agradável. Agradável, diga-se, do ponto de vista deste latino escriba.

Pra eles, a privacidade, a intimidade, mesmo que num veículo de transporte coletivo, são valores inegociáveis. Puxar papo seria uma tentativa de violação destes valores.

Todos usam dispositivos móveis. A leitura, a informação, o entretenimento, a socialização, vêm via laptops, tablets ou smartphones [a cada quatro assentos há tomadas para recarregar os super-utilizados gadgets]. Algumas vezes a mesma pessoa usa os três simultaneamente. Definitivamente, o papel em livros e jornais caminha pra uma quase extinção nos EUA.

O cachorro, devidamente licenciado e documentado, também pode viajar acompanhando o dono. Nenhum latido, nenhum ruído. O animal é educado pra respeitar o código de conduta.

O bicho homem se acostuma, se adapta rapidamente com o diferente. Passados alguns dias, abasteci meu iPad com livros, jornais e revistas e, envolvido com a leitura, também comecei a achar que a privação do som ali nada tem de desconfortável. Bateu até a vontade de alugar um cão.

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4 comentários:

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Sensacional, escriba! Deliciosa crônica de viagem. Muito boa a brincadeira da macaúba com a big apple. Esteve no Dakota? Best wishes.

Anônimo disse...

Lorão, fiquei pensando se o Sucatão tem tomadas para tablets e smartphones. Você consegue imaginar a gente viajando sem conversar, somente lendo ou jogando??? O Vardão ficaria feliz da vida...

Marcos César Estevam disse...

Muito interessante os textos sobre as suas experiências na América. Venho acompanhando todos que você posta. Parabéns, você escreve como ninguém!!!

Frederico Leopoldo disse...

Brilhante!!!