sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Nonô e Berê

superman

Recém-casados, Antenor e Berenice voltaram da lua de mel exaustos. Nem tanto pelas fogosas recreações carnais, mas muito pela estrada esburacada e sinuosa que a Belina 1987 enfrentou sem muito vigor.

O apartamento financiado cheira tinta fresca. Os presentes estão esparramados no chão da sala.

—Berê, panela de pressão é muito útil, mas a sua tia Izildinha é uma muquirana. Montada na gaita como ela tá, poderia abrir bem mais a mão e brindar a sobrinha com algum cacareco de mais valor. Tipo uma TV daquelas grandonas, pra eu assistir aos jogos do Curíntia.

—Nonô, fala nada não, peralá, o seu primo Castor, com um monte de casa de aluguel, podre de rico, e me vem com esse joguinho americano chinfrim. Essa coisa tá tão demodé quanto a sua Belina.

—Alto lá, não fala assim da minha Belina, senão eu falo da sua Mobilete, que vive engasgada.

—Alto lá, digo eu, deixei de comprar uma moto maior pra ajudar você comprar aquela mesa de pebolim que nem cabe aqui no apartamento. Aliás, coisa estranha um marmanjão desse querer mesa de pebolim.

Antenor faz biquinho e puxa Berenice pela cintura soltando uns murmúrios no dialeto “bebê aprendendo a falar”:

—Ah Beiezinha, num vamo bigá não, agóia nói tamo zuntinho, vamo ficá di bem.

Berenice é uma mulher turrona, mas o idioma “neném” derrete sua alma renitente:

—Ah Nhonhozinho, páia vai, assim eu fico toda arrepiada!

Amassos e mãos bobas param quando Berê bota os olhos numa caixa embalada com motivos infantis:

—Ué, que será isso? Parece presente de criança! Deixa eu ver o cartão.

Antenor fica apreensivo, calado, e Berenice segue espantada:

—Quem será esse Time Warner que mandou o presente? Sabe quem é Nonô?

Ela estranha a sisudez do marido e cutuca:

—Diga, homem de Deus! Desembucha!

—Então... [longa pausa e coçada na cabeça] preciso conversar com você sobre isso...

—Fala logo, tô ficando nervosa.

Ela abre o pacote estraçalhando papel e caixa:

—Quê isso, Deus do céu, uma fantasia do Superman!

Mão no queixo e muito circunspecto, Antenor responde compassadamente:

—Senta, Berê, senta... [ele espera ela sentar e lhe serve um copo d’água, antes de prosseguir] Berê, eu sou o Super-Homem. Isso não é fantasia, é minha roupa de trabalho. Antes do nosso casamento, eu liguei pra meu Chefe e falei que um homem casado não poderia sair por aí salvando a humanidade com uma roupa velha e uma capa desbotada. Na verdade, tentei até mudar um pouco o estilo. Não me agrada muito essa sunga vermelha sobre a roupa, mas Ele não concordou. Eu até entendo, tradição, coisa e tal...

Berenice empalideceu e sua voz mal saía:

—E o emprego no escritório de contabilidade do seu tio?

—Tudo fachada. Eu estou no mundo pra lutar contra as forças do Mal.

—E o salário, é bom?

—Já foi melhor, mas dá pra ter uma vidinha boa, sem muito luxo. Tô tentando pedir um adicional de insalubridade. Pego cada bucha de malfeitor em cada beco imundo.

—Ah Nonô, tudo bem, o que importa é estar empregado. Todo trabalho tem a sua dignidade.

—Tem outra coisa muito importante que eu tenho pra te dizer. É sobre a minha roupa de trabalho: não usar amaciante e secar sempre na sombra. E quando for passar, nunca passe o ferro quente sobre o S.

2 comentários:

Lucelena Maia disse...

Muito bom, Lauro!

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Pelos poderes da macaúba! O Supersânjico Lauro ataca com sua arma mais fabulosa: a pena de mil e uma crônicas belóquidas. Espero que a Berê assimile o baque e saiba administrar a nova realidade doméstica! Abraços mantiqueiros.