sábado, 18 de abril de 2015

Memórias do cárcere

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Istambul, segunda-feira, primeira manhã de viagem. Perto do hotel fica o inacreditável Grand Bazaar, no coração histórico da metrópole turca. É pra lá caminhando que nós vamos.

Os tapetes, voadores ou não, fascinam desde sempre os que botam os pés no Oriente. Nas mulheres, eternas sedentas por upgrades nos ornamentos domésticos, esse fascínio aumenta consideravelmente na Turquia, dada a magnífica oferta de capachos de todas as formas, tamanhos, preços e estampas.

E foi essa fraqueza feminina que atrasou nossa chegada ao Grand Bazaar. Explico.

Nos arredores do nosso destino, a senhora Borges insinua-se a um vendedor na rua demonstrando inequívocos desejos tapeteiros. Era a senha pra sermos conduzidos ao terceiro andar de um prédio abarrotado de alcatifas —existem poucos sinônimos para tapete, por isso me desculpo pelo horrendo “alcatifa”. Evitarei usá-lo novamente nesta crônica.

O local, um tanto mal-ventilado e sinistro, abrigava um exército de mercadores de alfombras —outro sinônimo igualmente pavoroso. Imagino que, exceto os quatro caipiras brasucas, não havia mais nenhum cliente naquela Galeria Pajé da Tabacow.

Essa escassez de compradores causou um vigoroso assédio mercantil aos únicos incautos, ali praticamente encarcerados.

A coisa foi de desnortear. Uns quinze homens misturando turco, espanhol, inglês, Ronaldo e Pelé, enaltecendo através de muitos decibéis as supostas qualidades dos tapetes que eram desenrolados aos borbotões. E dá-lhe bandejas e bandejas de tchai, a onipresente bebida turca. No auge da tensão cheguei a pensar que nas xícaras servidas haveria alguma erva causadora de efeitos perdulários a quem a ingerisse.

O escancarado espanto nosso pelos cifrõe$ cobrados pelos tapetes parecia enervar aquele batalhão de negociantes ávidos para ferir de morte o meu cartão de crédito.

Num inglês melhor que o meu —qual inglês seria pior que o meu?—, o jovem destemido Lauro Filho assume a transação e começa a falar mais grosso com a agressiva tropa de vendas.

Já antevendo um possível fracasso no ataque aos nossos bolsos, a turba fica ainda mais ensandecida com a brava resistência dos macaúbicos em plagas estrangeiras.

Aproveitando um cochilo dos sentinelas e o fogo no jovem very good english, sorrateiramente este escriba alcança a rua escorregando desesperadamente suas muitas arrobas pelas escadas do edifício.

Quando percebem que os três remanescentes acuados carecem do que os interessa —$$$$$$$—, a libertação deles foi questão de segundos. Os inimigos cessaram a artilharia quando o comandante, braço direito erguido, decretou: “No money!”

Aquele cárcere no alvorecer das férias teve três consequências: uma pedagógica, uma econômica e outra linguística.

A senhora Borges, passado o susto, ignorou solenemente qualquer tapete ou congênere nos vinte dias da nossa estada na Turquia e, por isso, minhas descontroladas finanças foram agraciadas com uma poupança de centenas de euros.

A consequência linguística? Meu inglês subiu de nível: de péssimo para ruim.

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7 comentários:

Fernando Dezena disse...

Parabéns pelo novo blog e vida longa!!!!
Muito boa a crônica!

Leila Borges disse...

Parabéns, Lauro. Gostei muito.

Lucelena Maia disse...

Lauro, muito boa a crônica. Fez-me rir, claro, e muito! O blog ficou ótimo!

Silvia Ferrante disse...

Parabéns querido! nunca pare de escrever! Beijos

Marcelo Pirajá Sguassábia disse...

Muito divertido esse seu texto, amigo escriba. Boa escolha para o debut do seu repaginado sítio. Abraços belóquidos.

Kiko Sucupira disse...

Lauro: Agradável surpresa lê-lo por entre os crepúsculo de sanja!! Dizem que algumas pessoas ( as bonitas, principalmente) não regeneram: descansam, apenas! - Viu? eh vero!
Kiko.

Luis Pio disse...

Lorão,

Que saudade que me deu daquela viagem qdo li sua prosa. Me lembro de tudo como se fosse hoje. A Turquia é o lugar mais bonito que já fui... obrigado!!!

Abs,

Luis